Três heróis poveiros ganham um lugar no memorial municipal

No dia em que se assinalam os 126 anos da tragédia marítima que vitimou 105 pescadores, os mestres salva-vidas "Cego do Maio", "Patrão Lagoa" e "Patrão Ladinho" são lembrados pelas inúmeras vidas que resgataram do mar.

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Esta segunda-feira o memorial foi preparado para a cerimónia de hoje Joana Gonçalves
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Esta segunda-feira o memorial foi preparado para a cerimónia de hoje Joana Gonçalves

No dia em que passam 126 anos desde a grande tragédia de 1892, que vitimou 105 pescadores, a Póvoa de Varzim homenageia três heróis poveiros que, ao longo do século XIX, e já durante as primeiras décadas do século passado, ganharam um lugar na memória colectiva ao salvarem centenas de pessoas no mar. O "Cego do Maio", o "Patrão Lagoa" e o "Patrão Ladinho", mestres do barco salva-vidas, ganham esta terça-feira, ao meio-dia, um lugar no panteão municipal, no mais antigo cemitério da cidade.

José Rodrigues Maio, o "Cego do Maio", Manuel António Ferreira, o "Patrão Lagoa", e João Domingues Nunes, o "Patrão Ladinho" representam “aqueles que por obras valerosas, se vão da lei da morte libertando”, como escreveu Luís Vaz de Camões na epopeia Os Lusíadas. Na comunidade piscatória da Póvoa de Varzim, estes três homens de humildes origens são, ainda hoje, lembrados com respeito. Mas os seus restos mortais estavam praticamente escondidos da comunidade, acolhidos que foram, na hora da sua morte, por duas importantes famílias locais, nos respectivos jazigos privados.

Em 1944, conta o actual vice-presidente da câmara e vereador da Cultura, Luís Diamantino, o município aprovou a intenção de os trasladar para um memorial. Mas foi preciso esperar 74 anos para que a intenção fosse concretizada, o que acontecerá hoje, na presença das mais altas patentes da Marinha. A cerimónia religiosa, pública, será, aliás, presidida pelo capelão deste ramo das Forças armadas e os três heróis salva-vidas ficarão lado a lado com outra importante figura local, o etnólogo e escritor António Augusto da Rocha Peixoto.  

A homenagem está integrada nas comemorações dos 200 anos do nascimento do "Cego do Maio". José Rodrigues Maio nasceu em Outubro de 1817 (morreu em 1884) e está imortalizado numa estátua de bronze - esculpida por Romão Júnior e erigida em 1909 -, com vista para as águas poveiras. Antes de se tornar mestre do salva-vidas da cidade, fez mais de 80 salvamentos na sua pequena embarcação, com a ajuda dos filhos, Francisco e Manuel. É o portador da distinção mais alta recebida até hoje por um poveiro: o colar de Cavaleiro da Ordem de Santiago da Torre e Espada, que recebeu das mãos do Rei D. Luís.

Menos conhecidos fora da Póvoa, mas tão destemidos como o seu antecessor, o "Patrão Lagoa" e o "Patrão Ladinho" faziam-se ao mar sempre que alguém estivesse em perigo. Foram ambos mestres do salva-vidas que, entretanto, fora logicamente baptizado com o nome Cego do Maio e salvaram a vida a centenas de pessoas, pescadores e não só. Aliás, os feitos mais famosos do "Patrão Lagoa" prendem-se com o resgate da tripulação e passageiros do navio cruzador S.Rafael, em Vila do Conde, e do vapor Veronese, em Leixões, nos quais salvou, com a sua companha, 122 vidas.

Já o "Patrão Ladinho", que chegou a fazer salvamentos no Brasil, esteve, entre outras situações, envolvido no socorro a um vapor espanhol que passava na costa portuguesa, resgatando, vivos, 21 homens, segundo a imprensa da época, que lhe guardou uma imagem de homem intrépido. “Aí vem o mar, rapazes! Ninguém abandona o posto! Avante a toda a força!”, terá dito durante outra operação complexa, na costa de Vila do Conde. 

O fatídico dia que deu origem ao ISN

O dia da homenagem — 27 de Fevereiro — tem um grande peso na história da cidade. Foi nesta data que, em 1892, a necessidade de obter o sustento quotidiano levou os pescadores poveiros ao mar da Cartola, ao largo de Aveiro. Nesse dia invernoso, um forte temporal — que chegou a ser, na altura, erradamente noticiado como um tufão — abateu-se sobre as frágeis embarcações. Das 46 — seis delas da Afurada — dez acabaram por soçobrar, devido à forte ventania e ao nevoeiro que impediu as tripulações de chegarem a lugar seguro. No total, pereceram 70 poveiros e 35 homens da Afurada, freguesia da frente ribeirinha de Vila Nova de Gaia.

Luís Diamantino refere que a data, que a Póvoa assinala ano após ano, relembra às pessoas que o valor actual da cidade “se deve ao muito sacrifício” dos pescadores antigos. A tragédia teve um impacto tremendo nas comunidades piscatórias envolvidas, e entre os poveiros o negro passou a cobrir as 50 viúvas e os 121 órfãos que resultaram do desastre.

As notícias da tragédia viajaram rapidamente pelo país e a sociedade exigiu que as famílias das vítimas fossem ajudadas. Foram angariados 42 contos, em menos de duas semanas, através de contribuições colectivas. E a Rainha Dona Amélia, pressionada pela sociedade civil, criou em Abril desse ano o Real Instituto de Socorro a Náufragos (actual ISN), com o objectivo de espalhar pelos principais pontos costeiros equipas de resgate e auxílio.

Mais meios de vigilância

Conhecida pelos riscos que coloca à entrada e saída de embarcações, a barra do Porto da Póvoa de Varzim viu no ano passado reforçados os meios de vigilância à disposição do Instituto de Socorros a Naufragos, por via da instalação de um radar com uma cobertura de 24 milhas e de uma câmara de visão nocturna e diurna com alcance de três quilómetros, entre outros. O investimento está integrado no Programa Costa Segura, que  vai ser entretanto alargado ao outro porto sobre jurisdição desta capitania, o de Vila do Conde. A sessão de apresentação decorre também esta terça-feira, pelas 15h, na Alfândega Régia desta cidade. Texto editado por Álvaro Vieira

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