O trabalho não é intercâmbio

Confundir voluntariado com trabalho é distorcer o emprego; é a precariedade voluntária como modo de negócio e estilo de vida alternativo ao trabalho.

A chamada economia da partilha (que tem na Uber, Airbnb ou Workaway exemplos de plataformas com impacto global) perdeu a sua candura inicial, largamente baseada numa filosofia colaborativa, e transformou-se num sério desafio às relações laborais. O crescimento exponencial do turismo, responsável por quase um terço da subida das exportações, tem contribuído para aumentar o emprego – o sector já representa seis por cento do emprego nacional —, mas também tem contribuído, sem grande surpresa, para que aumentem as situações laborais de precariedade e de clandestinidade. No fundo, por muito sofisticados que sejam os conceitos do produto e as funcionalidades das novas tecnologias, a disparidade e a tensão entre lucro e pagamento do trabalho farão sempre parte das relações laborais.

É evidente que a sociedade e a economia não perdem tempo e evoluem a um ritmo superior ao da legislação. Os sarilhos que estes novos negócios implicam às autoridades do trabalho está bem à vista no caso do transporte de passageiros ou da reserva de quartos e apartamentos por plataformas digitais. Falta agora acrescentar uma nova realidade, que escapa a qualquer Código do Trabalho, e que confunde voluntariado com trabalho não declarado. São várias as plataformas que permitem, em Portugal, trocar trabalho por estadia, sem envolver pagamentos, que vários jovens europeus aproveitam para um novo Erasmus, camuflado de intercâmbio cultural, numa mistura de trabalho e voluntariado, turismo e lazer. Recorrer a este falso voluntariado, personificado por alguém que trabalha para viajar e consumir o mínimo, não pode ter por justificação a falta de capacidade de empregar trabalhadores ou, simplesmente, boas intenções.

A noção de baixo custo instalou-se até se tornar um estilo de vida. A geração dos millennials é a presa preferida de quem organiza um Web Summit ou o próximo Festival da Eurovisão. É a ela que a multiplicação de hostels e outros investimentos turísticos também recorre para garantir juventude e trabalho voluntário em troca de cama, mesa e roupa lavada ou enriquecimento curricular. Tudo pelo custo mais baixo. Nesta economia partilhada não há troca desinteressada: não é um Potlatch; é um low cost interesseiro. Confundir voluntariado com trabalho é distorcer o emprego; é a precariedade voluntária como modo de negócio e estilo de vida alternativo ao trabalho.

 

 

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