Na cozinha profissional "elas têm que trabalhar o dobro para mostrar que são iguais a eles"

Em França, das 57 novas estrelas Michelin atribuídas em 2018, apenas duas foram para chefs mulheres. Em Portugal, nenhuma chef foi premiada.

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Anne-Sophie Pic, do restaurante Pic em Valence, conseguiu em 2007 as suas três estrelas REUTERS/Robert Pratta

Este ano, a edição francesa do conhecido guia Michelin atribuiu 57 novas estrelas. Desse número, apenas dois restaurantes têm chefs mulheres. No ano da ascensão do movimento #MeToo – de denúncia de abusos sexuais, em particular na indústria do entretenimento –, nasce a hashtag #MichelinToo, pela mão da cineasta Vérane Frédiani. Desta feita não para denunciar o assédio sexual nas cozinhas, mas para denunciar a desigualdade na atribuição das estrelas pelo guia mais famoso do meio.

Vérane Frédiani não é chef mas conhece bem o meio. O documentário The Goddess of Food ("A Deusa da Comida”, em português), de 2017, é da sua autoria. Enquanto o rodava, descobriu que há muitas chefs por aí, ainda que não apareçam nos guias da especialidade. “Fiquei muito chocada e chateada, porque há anos que, sem se perceber bem porquê, em 50 novas estrelas há muito poucas mulheres ou mulheres nenhumas”, disse Vérane Frédiani ao New York Times. É o caso de 2018.

Durante os 118 anos de história do guia foram atribuídas 621 estrelas Michelin em França e apenas 16 a mulheres – o que constitui menos de 3% do total das estrelas atribuídas. Apenas quatro mulheres francesas conseguiram as três estrelas, a melhor pontuação que este guia oferece: a primeira foi Eugénie Brazier, chef no restaurante La Mère Brazier, em Lyon, em 1933, e a última Anne-Sophie Pic, do restaurante Pic em Valence, em 2007.

Em Espanha, em 195 restaurantes com estrelas Michelin, apenas 19 são dirigidos por mulheres, de acordo com a editora do guia, a Groupe Michelin. Nos EUA, a história repete-se: em 166 estrelas atribuídas, 20 são atribuídas a mulheres. Itália é o país em que as mulheres têm mais estrelas: 44 num universo de 365 estrelas, o que constitui cerca de 12%.

Em Portugal o cenário não é o mais animador: no ano de 2018 foram atribuídas 45 estrelas a restaurantes portugueses, todos de homens.

O director internacional dos guias, Michael Ellis, disse à AFP que o género não é tido em conta na escolha dos restaurantes a distinguir: “Os nossos inspectores só se interessam pela qualidade da cozinha”, resume.

Um desafio para sonhar mais alto

Um jornalista especialista em cozinha francesa e antigo redactor do guia Michelin, Franck Pinay-Rabaroust, aponta como razões para a falta de mulheres na cozinha profissional o facto de ser uma profissão extenuante em termos físicos e complicada de intercalar com a vida familiar. “Hoje, na cozinha, raramente se vê uma mulher com uma posição de chefia porque o ritmo é extremamente duro”, disse ao NY Times. “Elas têm que trabalhar o dobro para mostrar que são iguais aos homens.”

A cineasta Frédiani aceitou o desafio e tentou descobrir as chefs que gerem restaurantes em França. Perguntou aos seus seguidores online quantos restaurantes conheciam com chefs mulheres e descobriu mais de 200. "A ideia é publicar a lista”, disse ao NY Times, “e assim não se pode dizer que não há chefs mulheres em França”. Com a publicação da lista espera “motivá-las a sonhar cada vez mais alto e a tentar tornar os seus sonhos realidade”, conta.

Coline Faulquier é uma dessas chefs. Gere o La Pergola, em Marselha: “Não temos que nos tornar homens, mas temos que nos tornar mentalmente fortes”, citada pelo NY Times. Disse que faz tudo o que faz um chef homem, com o acréscimo de ser a responsável pela educação do filho, de quatro anos. Ainda assim, aspira à estrela Michelin: “Vou criar meios para isso”, remata.

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