Inovação – entre a Lucidez e a Moda

Não é negativo falar muito de Inovação. O que é perigoso é que falar dela constantemente faça os portugueses sentirem, enganadoramente, que este é um país de excelência em Inovação.

Seria difícil subestimar o valor central da Inovação em qualquer sociedade, economia, instituição ou empresa do séc. XXI. Trata-se de algo absolutamente crucial para manter a liderança, a competitividade e a eficiência. É mesmo essencial para assegurar a sobrevivência de modelos de negócio, tecnologias, nações, produtos ou sistemas políticos. Contudo, o empolgado reconhecimento dessa relevância tem transformado a palavra Inovação numa moda retórica, algo que “fica bem” em qualquer discurso de um político, um académico ou um empresário. Induz um ar de frescura e modernidade. Todavia, a ritualização do conceito de Inovação enquanto moda, marketing de imagem ou exercício pseudo-intelectual, frequentemente parece contaminá-la com abordagens excessivamente simplistas, fáceis, amadoras e redundantes. Talvez a genuína Inovação seja prejudicada pela ligeireza com que é invocada.

Mencionar a Inovação 1 milhão de vezes não transforma ninguém num inovador. Frequentar mediaticamente eventos como a Web Summit ou cerimónias de apresentação de “programas” sem fim, “fundos” e dinheiro, muito dinheiro, pode capitalizar visibilidade simpática. Mas talvez o que sobra em fácil imagem possa faltar em substância.

Como noutros domínios, retenho a recorrente a sensação de que em Portugal, tal como na Europa, proliferam os elegantes teóricos da inovação que nunca inovaram nada. E erra-se sistematicamente ao interpretar a Inovação como um conceito essencialmente tecnológico. Logicamente, a inovação tecnológica é estruturalmente importante em toda a evolução da humanidade. Ao longo dos séculos fomos gerando vagas de inovação tecnológica, no seguimento de novas técnicas de construção naval, da revolução industrial, do motor de combustão, da eletricidade, do avião, das telecomunicações, do computador, da Internet ou do telemóvel. Já passaram múltiplas gerações desde a descoberta da eletricidade e, no entanto, continuamos em cada dia a desenvolver com ela novas aplicações.

Mas seria redutor da Inovação concebê-la apenas como descoberta de novas tecnologias. Inclusive, a quase totalidade da inovação tecnológica consiste não em inventar novas tecnologias mas, isso sim, em ter a imaginação criativa para, com as tecnologias existentes, criar novas formas de as aplicar.

Inovação consiste também em criar novas abordagens, novos métodos, novas ideias, novas visões estratégicas, por exemplo. E Portugal é um excelente exemplo para esta questão, por exemplo no que se refere à nossa competitividade. Na verdade, Portugal está relativamente modernizado no plano tecnológico. As nossas principais disfunções são outras. Temos boas telecomunicações, uma malha de autoestradas absurdamente luxuosa, uma ampla utilização de tecnologias da informação, uma Internet que considero mais eficiente que a média da Alemanha, terminais Multibanco omnipresentes para um grande número de aplicações como em poucos países se verifica. O que limita a competitividade da economia portuguesa não é um atraso tecnológico mas um atraso de mentalidades, uma cultura de trapalhice, uma fraca gestão, uma compulsiva regulamentação tão exagerada que se torna terceiro-mundista e que gera uma burocracia que asfixia os cidadãos, as empresas e os verdadeiros inovadores. E, lamentavelmente, talvez nada em Portugal necessite de mais inovação do que a decrépita política.

As empresas estão, em média, razoavelmente equipadas com tecnologia. O que falta inovar é a inteligência criativa da sua gestão, que é desorganizada e fraca no plano corrente e péssima no fundamental âmbito da gestão estratégica. O que geralmente falta não é o aumento de luzinhas a piscar e “novas tecnologias”, mas a inteligência da gestão e a boa organização com as tecnologias que já existem, criando modelos de negócio inovadores e proactivos, novas estratégias e novas abordagens aos mercados, ideias inteligentemente disruptivas. Resiste-se, com pavor das mudanças, às enormes mas inevitáveis tecnologias revolucionárias de fintech, enquanto as universidades estão frequentemente desfasadas do conhecimento de ponta e cristalizadas em contextos ultrapassados e enquanto a política e os media tendem a baixar ainda mais em qualidade.

O Homem foi à Lua num programa espacial que utilizava computadores com muito menor capacidade de computação do que os telemóveis que agora temos no bolso. A chave dessa aventura foram as mentes criativas. Falta em Portugal a humildade para se reconhecer que o que falta para aumentar a nossa competitividade é essencialmente a inovação das ideias, da qualidade de gestão e da visão estratégica. Como aqui não existe essa inteligente humidade e essa lucidez estratégica, vivemos em constante negação das realidades e tentamos todos acreditar que a solução é uma qualquer nova chuva de dinheiro, fundos, programas. E, porque detestamos olhar de frente o facto de termos que Inovar a qualidade daquilo que fazemos na política e na gestão de tudo, gostamos de acreditar que faltam novas tecnologias e que a elegante palavra “Inovação” é tudo menos inovarmo-nos a nós próprios.

A própria União Europeia, em negação da realidade que é a sua progressiva secundarização internacional na economia, na produção científica e tecnológica e na influência política, prefere exibir enormes avalanches de dinheiro (dos contribuintes) e elegantes programas sem fim, cuja eficiência global é parcialmente duvidosa e ineficiente. Vivemos num mundo de aparato fácil e de obsessiva mediatização. A sociedade assiste passivamente, não compreendendo que o seu futuro e o das novas gerações é assim vulnerabilizado.

A facilidade com que se assimilam simplismos é impressionante. Criancinhas exibem os seus telemóveis e os seus tablets perante pais que se julgam muito modernos mas que, na verdade, podem estar a revelar tiques de provincianismo. De facto, muitas dessas criancinhas gerarão jovens e adultos que, com um ar tecnologicamente deslumbrado, não terão desenvolvido capacidades de simples cálculo mental ou de real criatividade pessoal. No passado, crianças brincavam com peças básicas da LEGO para imaginarem e construírem com criatividade pessoal a partir do abstrato. Agora as criancinhas recebem módulos da LEGO já “pré-pensados” e digeridos. Montam o que alguém pensou por si e seguem o desenho das instruções. Subtilmente, criam-se de gerações de executores, em lugar de gerações de inovadores e criadores. As exceções são aqueles que resistirem a esta normalização. A China é agora o maior mercado da LEGO e aí as crianças são incentivadas a imaginar. O futuro é assim mudado. Crianças na Índia, sem nada, inventam alegremente brinquedos a partir do básico. Não surpreende que indianos, no seu país original ou espalhados no mundo, recolham uma espantosa gama de Prémios Nobel e estejam por quase todo o lado em posições de liderança na ciência, na tecnologia, nas maiores empresas ou na medicina. E a Índia já controla 2 terços do sofisticado mercado mundial de serviços de software.

A geografia da Inovação muda radicalmente. A Ásia assume uma pujança avassaladora de que a generalidade dos portugueses não tem a mais ínfima noção. Consideramo-nos avançados na promoção dos veículos elétricos mas no ano passado o número de veículos elétricos adquiridos na China foi quase duplo do número desses veículos vendidos em todos os países da Europa juntos. A China é já o maior exportador do mundo em tecnologias da informação e lidera áreas ascendentes como as energias limpas, a genómica ou a nanotecnologia. Só a cidade chinesa de Shenzhen tem mais de 16.000 autocarros públicos elétricos (leu bem).

Na verdade, não é negativo falar muito de Inovação. O que é perigoso é que falar dela constantemente faça os portugueses sentirem, enganadoramente, que este é um país de excelência em Inovação. Olhando diariamente o mundo percebe-se a diferente realidade.

 

 

 

 

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