Sete universidades têm regras ilegais de contratação de professores

Ministro mandou parecer da secretaria-geral para o Ministério Público e para a inspecção. Se ilegalidade for confirmada é “facilmente corrigível”, diz. Sindicato fez queixa contra sete instituições.

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Enric Vives-Rubio

A forma como as universidades têm contabilizado o trabalho dos professores a tempo parcial é ilegal, defende a Secretaria-Geral do Ensino Superior (SGES) num parecer do final do ano passado no qual analisa o regulamento em vigor numa das instituições do país. Mas em causa estão sete universidades que o Sindicato Nacional do Ensino Superior (Snesup) garante que têm regulamentos iguais — razão pela qual apresentou queixas judiciais contra as sete. O ministro Manuel Heitor remeteu agora as conclusões da sua secretaria-geral para o Ministério Público e mandou a Inspecção-Geral de Educação e Ciência (IGEC) analisar a situação.

O Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) define um limite máximo de nove horas semanais de aulas para cada docente a tempo integral — as restantes 26 são destinadas a investigação, preparação de aulas, orientação de mestrados e doutoramentos e apoio a alunos. Contudo, quando contratam professores a tempo parcial, as universidades estabelecem como valor de referência para um contrato de 100% do tempo um total de 12 horas e não as nove. Esta regra faz com quem um contrato a tempo parcial de 60%, por exemplo, corresponda a oito horas de aulas. Um professor pode assim ser contratado para dar oito horas — menos uma do que o horário completo — e receber 60% do vencimento, se não estiver na carreira.

No seu parecer, a SGES considera a prática “materialmente ilegal”. Diz que colide “com os critérios de comparabilidade e proporcionalidade subjacentes ao regime legal do trabalho a tempo parcial”.

A secretaria-geral, tutela pelo Ministério da Ciência e Ensino Superior, defende que o contrato de um professor a tempo parcial deve ter “como referência os limites legais definidos para os docentes em tempo integral”, isto é, o máximo de nove horas semanais. Ou seja, um professor contratado a 60% deve ter uma carga lectiva de 5,4 horas semanais e não de oito como agora.

O documento foi enviado ao ministro Manuel Heitor no final do ano passado e agora o governante mandou encaminhá-lo para o Ministério Público e para a Inspecção-Geral de Educação e Ciência “para análise e averiguações”. São estes dois órgãos que legalmente podem declarar estes regulamentos de contratação ilegais.

Em declarações ao PÚBLICO, o ministro desvaloriza a situação, classificando-a como um “pequeno problema” que não tem “impacto em todo o ensino superior”. O assunto foi encaminhado, como era seu “dever”, diz, e se for confirmada a ilegalidade é “facilmente corrigível”.

A questão das contratações de professores a tempo parcial não é, contudo, tão pequena como Manuel Heitor a apresenta. Num balanço feito há pouco mais de um ano, foi possível verificar que o número de docentes com este tipo de vínculos precários aumentou 15% entre 2010-2014. E os docentes com estes vínculos passaram a valer 31,2% do total de docentes do ensino superior público.

As sete instituições

O parecer da SGES, a que o PÚBLICO teve acesso, diz respeito ao regulamento do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), que faz parte da Universidade de Lisboa, mas, segundo o Snesup, este é em tudo idêntico aos regulamentos que estão a ser seguidos para a contratação de docentes a tempo parcial noutras seis universidades: Coimbra, Évora, Porto, Beira Interior, Trás-os-Montes e Alto Douro e também o ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa.

O Snesup já apresentou queixas nos tribunais administrativos contra estas instituições por causa destes regulamentos.

De resto, o relatório sobre a situação do ISCSP foi feito pela SGES a pedido do Snesup. A leitura que é feita é “extensível a qualquer outra instituição que tenha um regulamento como estes”, diz o presidente daquele sindicato, Gonçalo Velho.

A situação “é sistémica”

A situação “é sistémica”, confirma o director do ISCSP, Manuel Meirinho, lembrando que a interpretação da lei usada naquela faculdade é semelhante à que vem sendo seguida em diversas outras universidades. Ainda assim, “não concorda” com a leitura feita pela SGES. “Validá-la seria uma violação do ECDU”, considera o director da instituição da Universidade de Lisboa, para quem a lei é diferente para os professores de carreira e os professores a tempo parcial, pelo que o limite de horas lectivas para um e outro casos deve ser diferente.

A posição da SGES junta-se a uma parecer do provedor de Justiça emitido em 2016 que apontava no mesmo sentido. Na altura, estava em causa o regulamento de contratação de docentes a tempo parcial da Universidade de Coimbra que era também visto como ilegal.

Caso o Ministério Público e a IGEC venham a declarar estes regulamentos ilegais, não se coloca a questão de um eventual reposicionamento na carreira dos docentes a tempo parcial afectados, segundo fontes contactadas pelo PÚBLICO. Os contratos destes são semestrais ou anuais e sucessivamente renovados, pelo que qualquer efeito que uma decisão sobre a legalidade possa ter será sempre apenas sobre o próximo contrato a ser assinado.

Mas há docentes que já fizeram saber junto dos representantes sindicais que, caso os regulamentos de contratação a tempo parcial sejam considerados ilegais em definitivo, pretendem ser ressarcidos do tempo de trabalho que prestaram em excesso em anos anteriores. No entanto, “em termos jurídicos, não é ainda claro que estas pessoas tenham direito a qualquer compensação”, esclarece o presidente do Snesup, Gonçalo Velho. “A nossa prioridade é garantir que os regulamentos estão todos correctos”, acrescenta.

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