FMI: risco de reversão de reformas e de crise bancária passou a ser “baixo”

Na sua mais recente avaliação a Portugal, o Fundo Monetário Internacional alerta para os riscos externos, mas estima que a probabilidade de concretização de riscos internos é agora “baixa”.

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Entidade liderada por Christine Lagarde reviu em baixa a previsão para a dívida portuguesa © Jacky Naegelen / Reuters

Pela primeira vez desde que o actual Governo tomou posse, o Fundo Monetário Internacional (FMI) passou esta sexta-feira a considerar “baixa” a probabilidade de se assistir a uma perda da confiança dos investidores em Portugal por causa de reversões nas reformas ou de uma nova crise bancária. Ainda assim, alerta o FMI, Portugal continua demasiado exposto a choques que surjam do exterior.

No relatório da sexta avaliação pós-programa feita a Portugal (e que resultou das visitas feitas pelos técnicos do FMI em Dezembro), os técnicos do FMI reiteram as ideias fortes dos relatórios anteriores: elogios à melhoria do desempenho económico e orçamental registado no país, contrabalançados por alertas em relação ao elevado nível de endividamento, às debilidades do sector financeiro e à necessidade de realização de reformas estruturais para aumentar o crescimento potencial.

No entanto, neste documento, o FMI dá sinais mais claros de que, passados quase quatro anos desde a saída da troika de Portugal, tem agora menos receio de que possa haver um regresso à crise por causa de factores de ordem interna.

Na matriz de avaliação de riscos que apresenta desde o relatório da terceira avaliação pós-programa publicado em Abril de 2016, o FMI considera actualmente dois riscos internos. São eles “uma perda na confiança dos investidores devido a reversões de reformas ou outras surpresas negativas, potencialmente incluindo dificuldades no sistema financeiro” e “problemas financeiros em um ou mais bancos, que exijam uma intervenção”. Mas, apesar de assinalar que esses riscos, a concretizarem-se, poderiam ter um impacto elevado, o FMI diz que a probabilidade de se verificarem é agora “baixa”, o que significa que é inferior a 10%.

Esta é a primeira vez que tal acontece. Desde Abril de 2016 até agora, nas diversas avaliações feitas pelo FMI, a probabilidade de concretização destes riscos foi sempre colocada a um nível “médio” ou “elevado”. No passado mês de Setembro (no relatório anual efectuado no âmbito do artigo IV do FMI), estes riscos foram considerados de probabilidade “média” (entre 10% e 30%) e, há um ano, na quinta avaliação, a probabilidade foi calculada como “elevada” (mais do que 30%).

Os responsáveis do FMI mostram, assim, que o receio que revelaram, principalmente a partir da tomada de posse do actual Governo, relativamente à reversão das políticas aplicadas durante o tempo de permanência da troika se encontra agora bastante mais esbatido. No relatório, dão conta das discussões sobre reversões de reformas, nomeadamente ao nível da legislação laboral, que mantiveram com o Executivo (numa altura em que este tema é também tema central no debate entre os partidos que apoiam o Governo). O FMI diz que apelou a que não se recuasse nessa matéria e revelam que "as autoridades [portuguesas] afirmaram que as reformas da era do programa não estão em risco, ao mesmo tempo que indicaram a sua intenção de continuar a reduzir a segmentação do mercado de trabalho".

Se em relação aos riscos internos, o receio é menor, já em relação aos riscos vindos do exterior, a entidade liderada por Christine Lagarde mantém o mesmo nível de alerta. Diz que a possibilidade de concretização de riscos relacionados com as incertezas geopolíticas e de política económica são “elevadas”, salientando, nomeadamente, o desfecho do “Brexit” e o rumo da economia norte-americana. E volta a assinalar que, ao nível da política monetária, é bastante provável que se assista à aplicação de medidas mais restritivas, tanto pelo BCE como pela Fed, o que teria um impacto potencial em Portugal “elevado”.

Dívida revista em baixa

É por existirem estes riscos externos que o FMI, ao longo do seu relatório, continua a assinalar o facto de Portugal ter uma das dívidas públicas mais altas da Europa. “Embora se espere que a dívida desça para 108% do PIB em 2023, este rácio ainda deixaria Portugal vulnerável a uma subida inesperada de taxas de juro, ao desaparecimento do estímulo monetário dos últimos anos e aos abrandamentos cíclicos em Portugal e nos seus parceiros comerciais”, diz o relatório.

Mesmo assim, no que diz respeito à dívida pública, esta sexta avaliação pós-programa do FMI volta a revelar uma melhoria das expectativas, tanto para o curto como para o médio prazo. Em relação a 2018, o FMI baixou, no espaço de tempo entre o fim da visita dos técnicos a Portugal (em Dezembro) e a publicação agora do respectivo relatório, a sua estimativa para a dívida pública de 123,7% do PIB para 121,7% do PIB, algo a que não será alheio o pagamento antecipado de dívida feito por Portugal ao próprio FMI. E em relação à evolução nos anos seguintes, voltou a haver uma melhoria das expectativas. Há um ano, quando foi divulgada a quinta avaliação, o FMI previa, no seu cenário-base, uma dívida pública de 125,3% do PIB em 2021. No passado mês de Setembro, baixou esse indicador de forma acentuada, para 115,8%. E agora, voltou a rever em baixa, para 112,7%. A projecção para a dívida em 2023 é, por sua vez, de 108% do PIB.

Esta melhoria dos indicadores resulta do efeito combinado de uma projecção mais positiva para o saldo orçamental e para o crescimento da economia a médio prazo. Isto faz com que a análise da sustentabilidade da dívida se esteja a tornar mais favorável. Ainda assim, nos cenários de crise em que coloca a economia portuguesa a teste, é evidente o problema que uma dívida ainda tão elevada pode representar. O FMI calcula que, perante um choque que reduza o PIB em 4,5 pontos percentuais em dois anos, a dívida subiria de novo para os 130%. Este valor é, de qualquer forma, bem inferior aos mais de 140% que eram projectados em relatórios anteriores.

O relatório destaca ainda que o peso que o BCE tem, com o seu programa de compra de dívida, no apoio à capacidade de Portugal obter financiamento no exterior “se reduziu em 2017”, o que faz com que o país possa resistir melhor ao esperado final do programa.

Perante isto – e depois de Portugal ter pago antecipadamente uma grande parte do empréstimo ao FMI, a entidade sediada em Washington mostra-se, mais do que nunca, confiante de que irá receber tudo aquilo que o Estado português lhe deve. O relatório diz que “a capacidade de Portugal pagar ao FMI é adequada”.

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