Financiamento do Montepio ao futuro chairman esbarra no Banco de Portugal

Francisco Fonseca da Silva foi indicado pela Associação Mutualista liderada por Tomás Correia para presidente do conselho de administração do banco. Mas créditos no banco travam ok do supervisor

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Nomes escolhidos por Tomás Correia para o banco levantam dúvidas. Miguel Manso

A nomeação de Francisco Fonseca da Silva, indicado pela Associação Montepio Geral para ser o próximo presidente do conselho de administração da Caixa Económica Montepio Geral está em risco, em resultado das relações comerciais que o seu grupo empresarial mantém com o banco, e que impedem o Banco de Portugal (BdP) de lhe conceder o registo de idoneidade para gerir a instituição financeira.

O PÚBLICO apurou que várias empresas do universo de Francisco Fonseca da Silva têm créditos de 2,2 milhões de euros concedidos pela instituição financeira, destacando-se no bolo a Food4Kings que explora em Portugal o restaurante Burger King. Esta situação, e apesar de tudo indicar que os créditos estão regularizados, configura uma situação de conflito de interesses segundo os critérios a que o BdP se obriga.

No artigo 85º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), em vigor, “as instituições de crédito não podem conceder crédito, sob qualquer forma ou modalidade, incluindo a prestação de garantias, quer directa quer indirectamente” a “membros dos seus órgãos de administração”, nem “a sociedades ou outros entes colectivos por eles directa ou indirectamente dominados”.

Este é o ponto sensível. No contexto da avaliação aos novos membros dos órgãos sociais da CEMG, o BdP pode acabar por não conceder a Fonseca da Silva o registo de idoneidade para exercer funções de presidente de um banco.     

Apesar do empresário e candidato a chairman da CEMG já pertencer ao conselho geral e de supervisão desta instituição a questão nunca se colocou, dado que este órgão tem funções meramente consultivas. O que vai agora mudar. Isto, porque o grupo bancário vai alterar o seu actual sistema de gestão, para um modelo monista a vigorar já no próximo mandato. E que inclui um conselho de administração de onde emana a comissão executiva.

Em resposta ao PÚBLICO, o Banco de Portugal esclareceu que “o processo de avaliação da adequação dos membros dos órgãos sociais da CEMG decorre actualmente de acordo com o disposto na lei, não tendo o Banco de Portugal proferido qualquer decisão”. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar Fonseca da Silva.

Com a bola colocada do lado de Fonseca da Silva, o BdP aguardava que ainda esta quinta-feira o gestor apresentasse soluções para resolver o “conflito de interesses”. Ou seja, para ser chairman e cumprir os critérios do RGICSF, as sociedades onde tem participações não podem ter financiamentos da CEMG. E abrem-se vários caminhos, nenhum fácil, pois pelo meio o empresário tem sócios: as suas empresas liquidam os créditos; transferem-nos para outra instituição; ou Fonseca da Silva (e familiar) desinveste. O seu universo empresarial estende-se por várias áreas como a imobiliária, a financeira e a da restauração.

A relação comercial da CEMG, de 2,2 milhões de euros, é com a Cardinal Abstrato, a Symmetrical Courtesy imobiliária, a Keight imobiliária, a Bynd- Business Engine, Seed Fortune, a Bluterrase e Sculpting Number. Empresas de que Fonseca da Silva é sócio e gerente.

Em 2014, tornou-se do domínio público a sua ligação ao Burger King, franchisado detido pela Food4Kings, de que tem sido sócio maioritário e presidente (com a mulher a ser vice-presidente). Na altura foi noticiado que tinha investido um milhão de euros para instalar, em 550 metros quadrados, um Burger King na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa.

Em declarações ao Dinheiro Vivo, Fonseca da Silva avançou então que ia abrir (como veio a acontecer) mais dois estabelecimentos da marca norte-americana em Lisboa, um na Rua do Carmo, outro na Rua Ferreira Borges. E revelou a ambição de expandir o negócio “nos próximos cinco anos”: “Queremos entre 25 e 30 Burger King”, o que lhe ia exigir “um investimento entre 12 e 14 milhões de euros e criar até 500 postos de trabalho.” Explicava que a expansão seria realizada “com capitais próprios assegurados pelos cinco sócios da empresa”. 

O tema Fonseca da Silva é mais um assunto a gerar ruído à volta da mudança de cadeiras na CEMG, onde neste momento ainda está sentado José Félix Morgado. O que pode não agradar ao Banco de Portugal por considerar que os problemas se começam a avolumar. 

No início da semana, como avançou o PÚBLICO esta quarta-feira, Carlos Areal e Viriato Silva, membros do conselho geral da Associação Mutualista, em carta enviada aos restantes conselheiros fizeram saber que não apoiam as listas candidatas aos órgãos sociais da CEMG, por incluírem dois nomes que “não lhes merecem confiança”. Um deles é “uma pessoa em que sobram conflitos de interesses entre a sua pertença aos órgãos sociais e as suas ligações enquanto cliente” e o outro é “alguém que até 12 de Dezembro de 2017 fazia parte das listagens do Banco de Portugal como tendo crédito em atraso”. O último, vai integrar “a comissão executiva” pelo “que terá certamente de dar grande importância ao crédito em mora.”

Apesar de não identificarem a quem se referem, sabe-se agora que se tratam dos nomes propostos por Tomás Correia a presidentes do conselho de administração e da comissão executiva da CEMG.

Esta quinta-feira o Expresso e o Jornal de Negócios avançaram que o CEO Nuno Mota Pinto teve um crédito de 80 mil euros em incumprimento no antigo BES, o que levou o Novo Banco a colocar o seu nome na lista dos devedores do BdP. A situação foi regularizada, e o crédito vencido liquidado, já depois de Mota Pinto ter sido escolhido por Tomás Correia para chefiar a CEMG e de ter aceitado o cargo.

Mas o PÚBLICO sabe que o nome Mota Pinto é sensível dentro do BdP. E não apenas pelo processo que levou à liquidação da sua dívida ao Novo Banco. É que é irmão de Alexandre Mota Pinto, o advogado de Tomás Correia e dos restantes gestores do grupo que mantêm um contencioso com o regulador, que lhes abriu um processo de contra-ordenações. 

Na equipa de Nuno Mota Pinto, em análise no BdP, constam ainda os nomes de Carlos Leiria Pinto (que com o CEO vem do Banco Mundial), de Helena Soares de Moura, com origem nos seguros, de Pedro Ventaneira (ex-BESI), de José Rosete e de Pedro Alves e de José Mateus, ambos directores do grupo Montepio. 

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