Lei para evitar novos lesados da banca ainda está longe dos balcões

Regras mais apertadas na comercialização de produtos financeiros já deveriam ter entrado em vigor no início do ano. Processo de aprovação da proposta de lei pode levar alguns meses.

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Secrerário de Estado Adjunto e das Finanças, Mourinho Félix, apresentou novas regras de protecção dos investidores. Miguel Manso

Evitar novos lesados e restaurar a confiança no sistema financeiro. É, em síntese, o que se pretende com a Proposta de Lei apresentada esta quinta-feira, no Parlamento, pelo secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix. “Acabou o tempo em que se vendia tudo a todos”, enfatizou o governante na Assembleia da República (AR), que começou a sua intervenção a lembrar que “na sequência da crise financeira, muitos portugueses perderam as suas poupanças”.

A Proposta de Lei transpõe a Directiva 2014/65/EU, sobre mercados e instrumentos financeiros, tem aprovação garantida na votação na generalidade, esta sexta-feira, tendo ficado patente, embora com algumas críticas, a necessidade de novas regras para o sector financeiro por parte das bancadas do PSD, CDS e Bloco de Esquerda. A proposta desce para discussão na especialidade, na Comissão de Orçamento e Finanças, onde se encontra um conjunto de iniciativas dos partidos sobre esta matéria, a que se poderão juntar mais.

A discussão na especialidade vai obrigar a audição de um conjunto de entidades, num processo que se vai arrastar nos próximos meses, e que, apurou o PÚBLICO, seria desejável que ficasse concluído antes do Verão.

As normas comunitárias que chegam à AR com cerca de um ano de atraso, como salientou a deputada Inês Domingues, do PSD, foram reforçadas em algumas áreas, de forma a evitar situações em que muitos portugueses “tomaram decisões pouco informadas, que custaram muitas poupanças e uma quebra generalizada da confiança no sector financeiro”.

Com a proposta, defende Mourinho Félix, “as famílias, os pequenos investidores, ficam mais protegidos. As instituições financeiras são obrigadas a maior transparência e os supervisores recebem poderes reforçados para prevenir e detectar condutas inadequadas”.

Das novas normas, distribuídas por 369 páginas, o secretário de Estado destaca o facto de “as instituições financeiras terem de criar políticas de governação dos produtos que vendem, definindo as características do produto e o perfil dos clientes a que o mesmo se destina”. Na prática, quem cria um produto tem de decidir quem são os clientes a que se destina e quem comercializa um produto tem a obrigação de o promover apenas junto dos clientes que o podem comprar, regras que, se violadas, tornam mais fácil aos supervisores responsabilizar as entidades e pessoas que as prevaricaram.

Para garantir que quem vende sabe o que está a vender, há novas exigências ao nível da prestação de informação, que deixa de passar “apenas por entregar papéis", como acontecia até agora. “Passa por conhecer o produto e saber informar aos clientes que estão do outro lado do balcão”, referiu, o que se garante por formação adequada aos trabalhadores.

Um dos exemplos de maior exigência nacional na transposição da directiva está na determinação de que “quem vende produtos financeiros pense primeiro, e sobretudo, no interesse do cliente”, o que implica alterações na avaliação e na remuneração de quem está ao balcão, de forma a evitar políticas remuneratórias agressivas que passem por objectivos de venda de determinados instrumentos financeiros. “Quem vende tem de ser livre para aconselhar o produto que melhor corresponda às necessidades do cliente”, destacou Mourinho Félix.

Também se vai mais além nas vendas na venda de produtos “em pacote”, as chamadas “vendas cruzadas”, passando o cliente a ter o direito de saber o custo de cada produto em separado e decidir se quer adquirir um pacote, que tantas vezes inclui produtos de que não precisa.

E foi-se ainda mais longe no caso dos investidores não profissionais, “proibindo que depósitos sejam vendidos em conjunto com produtos de investimento que não tenham garantia de capital”.

O diploma também reforça os poderes dos supervisores. “Vamos acabar com o lamento de que, naquele tempo, o supervisor não tinha poderes para poder actuar”, afirmou o governante, destacando que, os supervisores vão poder “suspender ou proibir a comercialização de produtos financeiros que sejam vendidos de forma enganosa ou sem respeito pela política de governação”. A Proposta de Lei penaliza ainda as más práticas dos administradores e dos gestores dos bancos e intermediários financeiros pelo incumprimento das políticas de governação dos produtos.

Em termos gerais, as bancadas do PSD, do CDS e do Bloco de Esquerda reconheceram a oportunidade de várias medidas. A posição mais crítica veio da deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, que considerou necessário “ajustar um pouco as expectativas” criadas pelo proposta do Governo, na medida em que nada foi feito de substancial para regular o mercado financeiro.

E em relação a lacunas graves do diploma apresentado destaca o facto de não se avançar na separação, dentro dos balcões, dos locais onde se vendem produtos com garantia de capital, como os depósitos a prazo, dos outros sem essa garantia. Ou de não se proibir a venda de produtos emitidos pelos accionistas do banco, como foi o papel comercial no BES ou é agora a venda de produtos da Associação Mutualista aos balcões da Caixa Económica Montepio Geral.

A bancada do PS saiu em defesa do Governo, ao lembrar a complexidade da directiva e ”a necessidade de ir mais longe na protecção dos investidores não qualificados, tendo em conta a realidade portuguesa”.

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