Ifema, que organiza a feira de arte, pede desculpas por ter retirado obra da ArcoMadrid

Clemente González Soler disse que ao PÚBLICO: “[A] censura não é nossa filosofia, nem estilo.” E emitiu um comunicado de imprensa a pedir desculpas por causa da retirada de obra com independentistas catalães. O anfitrião da feira assinou esta manhã protocolo com Fernando Medina para a realização da Arco em Lisboa durante três anos.

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O stand da galeria depois da retirada da instalação LUSA/FERNANDO VILLAR
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A galerista Helga de Alvear a ser questionada pelos jornalistas depois da decisão da retirada da obra da galeria LUSA/FERNANDO VILLAR

O presidente do Ifema, Clemente González Soler, disse esta quinta-feira de manhã ao PÚBLICO que não houve “censura” na retirada da instalação Presos políticos, de Santiago Sierra, de uma galeria da feira de arte ArcoMadrid. Responsável pela organização da feira, Clemente González encontrava-se na assinatura de protocolo de três anos com o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, uma vez que o Ifema também organiza a feira de arte que terá lugar em Lisboa em Maio.

“A censura não é nossa filosofia, nem estilo. A decisão de retirar a obra foi da própria galerista”, explicou Clemente González Soler. Interrogado se Helga de Alvear, um dos nomes históricos das galerias espanholas e fundadora da ArcoMadrid, tinha retirado, a seu pedido, a obra, com 24 fotografias pixelizadas, sobre “presos políticos” em Espanha, entre os quais os líderes independentistas espanhóis acusados de rebelião e secessão, o presidente do Ifema confirmou o relato da conversa ontem descrito pela própria galerista. “Pedi, mas foi por favor. Ela entendeu. Mas isso não significa coarctar a liberdade de expressão.”

Um pouco depois das 13h, o próprio Ifema acabaria a pedir desculpas, num comunicado de imprensa assinado por Clemente González Soler, reafirmando que não houve intenção de censurar: “Lamentamos e pedimos sinceras desculpas perante a controvérsia que se produziu como consequência do pedido a uma galeria para a retirada de uma obra, que em nenhum caso pretendia exercer nenhuma censura à criação, ainda que essa tenha sido a percepção pública.” O Ifema diz ainda que entende as críticas recebidas, reconhecendo que só o comité organizador tem competência para avaliar os conteúdos. 

Do comité organizador fazem parte dez galerias, entre as quais está a portuguesa Vera Cortês, que não quis comentar o sucedido. O Ifema (Institución Ferial de Madrid) é a entidade responsável pela organização de feiras e eventos comerciais na região madrilena, um equivalente à FIL portuguesa e que acolhe a Arco Madrid.

Em conversa com o PÚBLICO, antes da saída do comunicado, a galerista Concha Aizpuru, directora da Galeria Juana de Aizpuru, outro nome histórico das galerias espanholas, afirmava que não percebia a decisão da galeria Helga de Alvear: “Eu não teria tirado e não percebo porque aceitaram tirá-la. Ele não tem poder para obrigar a tirá-la.”

Depois do dia tenso da véspera, o director da feira, Carlos Urroz, que se opôs à decisão e tentou revertê-la, estava esperançado que a “tormenta já tivesse passado”. “Só queremos que a feira corra bem, tanto aqui como em Lisboa.” Na quarta-feira, em declarações ao PÚBLICO, explicou que a retirada da instalação Presos políticos en la España contemporânea antes da abertura da feira aos profissionais era caso nunca visto. 

Medina não comenta

No final da assinatura do protocolo com a Câmara de Lisboa, que nos próximos três anos dará à ArcoLisboa um valor anual de 180 mil euros, o presidente Fernando Medina disse que não se podia pronunciar sobre a polémica: “Vi só hoje as notícias pelos jornais. Não comento.”

A cerimónia, em que estiveram também presentes os vereadores da Cultura, Catarina Vaz Pinto, e do Urbanismo, Manuel Salgado, visa dar à colaboração com a Arco um carácter mais permanente: “Quisemos firmar a ArcoLisboa durante os próximos três anos. Já tivemos duas edições e foi unânime o êxito. Decidimos fazer um acordo para dar condições de estabilidade não numa base anual mas de três anos.” 

Em editorial, o jornal El País escreve na sua edição desta quinta-feira que a direcção do Ifema deu um golpe na liberdade de expressão: “[O] Ifema ataca um pilar da democracia ao censurar uma obra na Arco (…). Intolerável: porque dessa liberdade depende a saúde de uma das instituições que define a maneira específica de ser das sociedades abertas num mundo cada vez mais seduzido pelas derivas autoritárias.” Noutro artigo intitulado “Os ventos de censura criam tensão na Arco”, o jornal ouvia uma série de directores de instituições, entre os quais o director do Museu Rainha Sofia, Manuel Borja-Villel, que considerou “preocupantes” os factos, que, “desgraçadamente, não são isolados”: “Estamos a viver um retrocesso na liberdade de expressão, não só em Espanha.”

Recentemente, o Tribunal Supremo espanhol ratificou uma decisão que condena a três anos e meio de prisão o rapper Valtony por injúrias à coroa, enaltecimento do terrorismo, calúnias e ameaças nas letras das suas canções, lembrava o jornal espanhol. Ou o caso de uma juíza que ordenava a retirada de um livro, da autoria do jornalista Nacho Carretero, sobre o narcotráfico a pedido de um antigo autarca galego. “São casos muito diferentes entre si – continuava o editorial –, porém, transmitem uma mensagem muito preocupante sobre o estado da liberdade de expressão no nosso país.”

O PÚBLICO viajou a convite da ArcoMadrid

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