Um spinoff surpresa do filme de Terrence Malick põe Javier Bardem a ouvir a América real

Entrevistas a não-actores durante rodagem de A Essência do Amor deram origem a Thy Kingdom Come, filme em que o padre Quintana volta para ouvir histórias de perda, prisão ou amor.

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Javier Bardem em A Essência do Amor DR

A Essência do Amor (2012) não é um dos filmes mais amados de Terrence Malick. Saído do impressivo A Árvore da Vida, o realizador filmava um casal e os seus casos, mas também um padre (Javier Bardem) que se debatia com a sua fé em pleno Oklahoma. Durante a rodagem, que teve lugar em Bartlesville, em 2010, foram filmadas entrevistas com pessoas da região, que contaram as suas histórias ao padre que afinal era actor. Agora, de surpresa, essas conversas bem reais foram coligidas num filme de 43 minutos que é um spinoff inesperado de A Essência do Amor, assinado não por Malick mas pelo fotojornalista Eugene Richards.

Thy Kingdom Come ("Venha a nós o vosso reino", uma frase do Pai Nosso, no inglês a Lord’s Prayer) vai estrear-se já em Março no South by Southwest Film Festival, em Austin, no Texas. O trailer foi divulgado no fim-de-semana depois de, no sábado, a revista New Yorker ter revelado o teor do projecto pela primeira vez. No filme, Javier Bardem, sempre na pele da sua personagem, o padre Quintana, ouve homens e mulheres do Oklahoma contarem histórias de amor, de perda, de cancro, de prisão, de violação – histórias da América. Ou um antigo líder do Ku Klux Klan que decidiu cortar com essa parte da sua vida e da sua visão racista do mundo.

“É um filme incomum”, diz o realizador na sua página de Facebook, considerando que fala da vida, mas também ecoa na vida de muitas pessoas.

O filme tem por base tudo o que ficou na sala de montagem de Malick. Foi ele que inicialmente pediu ao fotojornalista norte-americano (que já trabalhou para a Magnum, entre outras conceituadas agências) para sair com Bardem, durante as filmagens de A Essência do Amor, ao encontro de pessoas da região e das suas histórias, de modo a aprofundar o estudo da personagem. Nessas visitas, guiadas por um padre local, Richards filmava e Bardem escutava.

O pedido, contou Eugene Richards à New Yorker, era “Fale-me um pouco de si”. O resultado “foi outra coisa”. Em A Essência do Amor, estreado em 2012, muito pouco dessas conversas foi utilizado. Mas elas continuaram na mente do fotojornalista, que decidiu usar as imagens (com a autorização de Malick) e fazer assim um inusitado spinoff de um filme que dividiu a crítica entre a qualidade do olhar de Malick e a confusão da história que queria contar – como escreveu na altura o crítico do PÚBLICO Jorge Mourinha, o filme “marca o momento em que o cinema impressionista, sensorial, lírico de Terrence Malick revela as suas limitações”.

Sobre a posição de Bardem, um rosto conhecido por filmes como Vicky Cristina Barcelona ou Este País Não é Para Velhos, nenhum deles de grande alcance mainstream, ou pelas imagens glamorosas com a sua mulher Penelope Cruz, Eugene Richards garante que todos os entrevistados foram informados de que se tratava de um filme de ficção e que o actor não era de facto um sacerdote, embora se apresentasse vestido como tal. Mas “no fim de contas”, reflecte o realizador, “ninguém queria saber quem ele era, excepto que estava ali para os ouvir”.

Eugene Richards já fotografou e publicou vários livros com as suas séries, sendo também autor de sete curtas-metragens sobre temas tão distintos como a cocaína e a toxicodependência, o envelhecimento, a sida infantil ou o cancro da sua mulher, bem como a pobreza, a prisão de Guantánamo ou a guerra no Iraque. Tem vários prémios e bolsas no currículo e a sua fotografia está em colecções de museus como o Metropolitan e o MoMA, de Nova Iorque, o Smithsonian, em Washington, ou o Pompidou, em Paris.

Terrence Malick, o autor de Dias do Paraíso (1978) que só 20 anos depois filmou outra vez (A Barreira Invisível), estreou no ano passado no mesmo South by Southwest Música a Música, outro filme longe da aclamação das suas primeiras obras, e tem na calha a curta Together e a longa-metragem Radegund, um filme sobre um objector de consciência austríaco na Segunda Guerra Mundial, que deve estrear-se ainda este ano.

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