Uma escolha que abre caminho para um presidente alemão?

Luís de Guindos como vice-presidente deve mudar pouco no BCE. Mas torna mais provável o surgimento de um candidato alemão na hora de substituir Draghi em 2019

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Luís de Guindos foi escolhido para substituir Vítor Constâncio na vice presidência do BCE Reuters/FRANCOIS LENOIR

Pouco conhecido pelo que defende para a política monetária europeia, Luís de Guindos não trará, com a sua chegada, alterações de relevo no rumo seguido pelo Banco Central Europeu (BCE) no curto prazo, mas a sua escolha, ainda assim, poderá vir ter um impacto decisivo na definição daquilo em que se irá transformar a autoridade monetária no futuro, já que com o espanhol na vice-presidência ficam condicionadas as opções para outros postos importantes no banco central que vagam em 2019, incluindo a própria presidência.

A escolha do ministro espanhol em vez do governador do banco central irlandês Philip Lane para o lugar de Vítor Constâncio faz com que na vice-presidência do BCE se vá sentar alguém que não tem qualquer historial de decisões de política monetária que se possa consultar. Luís de Guindos é conhecido pelo papel que assumiu na condução da política económica e orçamental em Espanha nos últimos sete anos e pelas posições tomadas nas discussões do Eurogrupo durante a crise da zona euro.

O espanhol foi o responsável pela passagem à prática da política de contenção orçamental a que a Espanha se viu forçada depois de receber a ajuda dos parceiros europeus e do FMI para limpar o sector bancário do país. A Espanha conseguiu escapar a um programa da troika ao estilo do aplicado na Grécia ou em Portugal, mas ainda assim o Governo Rajoy, do qual Guindos tem assegurado a tutela da Economia e Finanças públicas, viu as suas escolhas ficarem limitadas.

Do Executivo espanhol, contudo, não se ouviram críticas relativamente à estratégia de austeridade então adoptada em Bruxelas. Pelo contrário, Luís de Guindos esteve sempre do lado da barricada daqueles que mais defenderam a austeridade, mais concretamente apoiando Wolfgang Schäuble nas discussões do Eurgogrupo e tomando a liderança na hora de criticar os Governos dos países do Sul que ameaçavam abandonar a estratégia de austeridade. Esta posição foi uma das razões para que a Alemanha desse agora o seu apoio ao espanhol na corrida à vice-presidência do BCE.

Por outro lado, mais recentemente, quando se iniciou o debate sobre a reforma da zona euro, Luís de Guindos e o Governo espanhol alinharam-se com os países mais a Sul, apoiando a criação de um orçamento para a zona euro e de instrumentos de apoio à convergência entre os países. Foi este um dos motivos porque conseguiu também o apoio de países como a França ou Portugal.

Estas posições de Luís de Guindos dão contudo poucas pistas para aquilo que se será o seu papel em Frankfurt. As principais decisões no BCE vão estar, durante os próximos anos, na forma como irão ser retiradas as medidas de estímulo lançadas durante a crise, nomeadamente o programa de compra de dívida pública (com prazo até pelo menos Setembro deste ano) e as taxas de juro zero.

As discussões são entre aqueles que, como o governador do banco central alemão, acham que já se deveria ter terminado com as compras de dívida, e os que, em maioria, acham que é preciso muita cautela a acabar com estes apoios à economia.

Como ministro da Economia com a tutela das Finanças e agora como candidato a vice-presidente do BCE, Luís de Guindos fez declarações genéricas de apoio à política seguida por Mario Draghi e a maioria dos membros do conselho de governadores (incluindo Vítor Constâncio), que aliás muito tem ajudado a economia espanhola. E entrando num conselho em que, à partida, é a figura com menos experiência de política monetária, pouco peso deverá ter o novo vice-presidente nas decisões a tomar nos próximos tempos.

A chegada de Luís de Guindos à vice-presidência tem no entanto um significado importante que é o de dar mais força à ideia de que o substituto de Mario Draghi (que em 2019 termina o seu mandato) pode vir a ser alemão. Um vice-presidente de um país do Sul faz com que seja mais provável que o futuro presidente venha a ser de um país do Norte. E a Alemanha, que desde a criação do euro nunca teve um seu nacional nos dois lugares mais importantes do banco central, parece pensar que chegou a hora de isso suceder.

O candidato natural ao cargo é Jens Weidman, o actual governador do banco central alemão e que, no conselho de governadores do BCE, tem assumido em questões como a do programa de compra de dívida, uma posição minoritária.

Terá sido por querer evitar esse cenário que o Executivo italiano não quis publicamente dar o seu apoio a Luís de Guindos. No sentido oposto, é significativo que Berlim e Paris estiveram em permanente sintonia em relação à escolha do espanhol, o que poderá indicar que há já um acordo entre Merkel e Macron para os outros lugares a ocupar no BCE.

Para além da presidência e da vice-presidência, haverá ainda mais dois lugares para ocupar no conselho executivo do BCE, sendo um deles o de economista-chefe, que tem um peso significativo na definição das políticas. O irlandês Philip Lane, agora derrotado por Guindos, terá garantido, com a forma como evitou qualquer tipo de conflito retirando a sua candidatura, que estará entre os principais candidatos para ocupar esse posto, actualmente desempenhado pelo belga Peter Praet.

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