O saco de gatos do PSD e a geringonça de Rio

A crispação do passismo e a viragem à direita que o PSD herdou dos tempos da troika são os principais bloqueios à liberdade de movimentos de Rui Rio e à definição de um novo horizonte político.

Rui Rio celebrava na manhã de ontem a “unidade política” alcançada com as hostes do seu opositor nas directas do PSD, Pedro Santana Lopes, como um sinal promissor para o futuro. Mas esta versão interna e alaranjada da geringonça não será uma base de sustentação suficiente para que a nova direcção do partido se possa ver livre do “saco de gatos” das várias tribos e apetites (ou azias) pessoais já manifestados por várias personalidades do partido, algumas das quais apostam num desaire de Rio nas próximas legislativas para eventualmente se posicionarem na corrida à liderança. Os exemplos desta tendência são conhecidos, desde o ex-chefe da bancada parlamentar, Hugo Soares, e o seu antecessor, Luís Montenegro, até Abreu Amorim ou o quase desconhecido mas muito impulsivo Miguel Pinto Luz, embora Rio tenha conseguido aparentemente neutralizar, pelo menos para já, um concorrente de peso como é Paulo Rangel.

Mas um sinal importante de que o tribalismo partidário – o tal “saco de gatos” a que se referiu Manuela Ferreira Leite – está aí para lavar e durar foi dado pouco depois de Rui Rio ter proclamado a “unidade política” com os apoiantes de Santana Lopes (e que funcionaria como providencial geringonça interna). É que uma parte significativa do aparelho distrital e local afecto a Rio estaria descontente com a despromoção dos seus candidatos aos órgãos dirigentes do partido a favor dos apaniguados de Santana (preço a pagar pela tal “unidade política”). Nada que seja propriamente novo, aliás, na história de um partido onde a crise de ideias e gente politicamente qualificada tem favorecido a fragmentação tribal (que apenas passa mais despercebida quando o partido se encontra no poder).

Rio deverá fazer hoje, no discurso de encerramento do Congresso, uma síntese optimista que permita ocultar algumas destas sombras e concretizar um pouco mais algumas das suas tão vagas apostas “reformistas”. Há um ponto particularmente sensível, uma “linha vermelha” que ninguém arriscará transpor: a reedição do Bloco Central (aliás, como lembrou Rio, já rejeitado pelo PS). Seja como for, para os programas e reformas estruturantes de longo prazo, ultrapassando o tempo de uma legislatura, é quase inimaginável que não haja compromissos de regime, envolvendo uma maioria parlamentar qualificada e incluindo inevitavelmente os dois maiores partidos portugueses.

Ora, é neste terreno movediço que Rio e Costa terão de navegar, por muitas abjurações que façam relativamente a futuras alianças políticas entre ambos. Condicionados um e outro pelas geringonças e tribalismos internos e externos cuja expressão é muito difícil de antecipar, pelo menos até às próximas legislativas, os tais compromissos de mais longo prazo sobre as apostas que o país terá de fazer até ao fim da próxima década parecem suspensos num perigoso vazio.

Para já, os mais rebeldes à liderança de Rio e à sua proclamada “unidade política” – entre os quais se contam antigos passistas e até santanistas inconformados – tenderão a levantar obstáculos ao caminho que o novo presidente do PSD se propõe trilhar, desafiando qualquer propósito de pragmatismo e descrispação da vida política portuguesa. Um exemplo é a recusa de uma eventual hipótese de viabilização do próximo Orçamento do Estado, mesmo antes de se conhecer o seu conteúdo (foi o que peremptoriamente afirmou Hugo Soares). A crispação do passismo e a viragem à direita que o PSD herdou dos tempos da troika – impedindo o seu crescimento eleitoral e um posicionamento mais ao centro – são os principais bloqueios à liberdade de movimentos de Rui Rio e à definição de um novo horizonte político. Entre o saco de gatos e a geringonça interna o seu espaço de manobra é, manifestamente, muito curto.

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