A cozinha portuguesa pode celebrar-se numa velha fábrica de tabacos

Há um projecto para transformar a antiga Tabaqueira, no Braço de Prata, num museu dedicado à gastronomia. A ideia é de uma arquitecta italiana, que quer fazer daquele um espaço vivo para o futuro - com respeito pelo passado.

Foto
A antiga fábrica estava a degradar-se junto ao rio. A arquitecta aguarda agora resposta da câmara Daniel Rocha

Foi ao encarar a silenciosa desolação do lugar que Grazia Repetto lhe tomou o sentido e percebeu que aquela estrutura podia ser mais do que uma ruína desprezada à espera do dia em que as caterpillars lhe entrassem pela porta. Passaram já 16 anos, mas as impressões daquelas visitas de Setembro ficaram-lhe marcadas no espírito. “No silêncio é que encontramos a essência dos edifícios antigos. É como se comunicassem connosco e contassem a sua história. Somente assim se pode conhecer e entender o futuro deles.”

Grazia quer que o futuro da Tabaqueira tenha a forma de um museu. “Mas não um museu que encerra a sua mensagem histórica e cultural à noite, antes um que continua a viver, especialmente com os jovens que são o nosso futuro, que têm de aprender quão bom é o passado que nos foi transmitido.”

A arquitecta italiana, especializada na recuperação de antigos espaços industriais, propõe a criação do Museu do Património Gastronómico Português na velha fábrica de tabacos situada junto ao Tejo, entre a Matinha e o Braço de Prata. Enquanto ali mesmo ao lado avança o projecto habitacional que Renzo Piano desenhou há 20 anos e os terrenos da antiga fábrica de gás da Matinha aguardam avultados investimentos, o edifício da Tabaqueira tem estado ao abandono, a degradar-se.

Foi Renzo Piano, no início deste século, que convidou Grazia Repetto a pensar numa nova vida para aquele espaço de 4500 metros quadrados, com a sua estrutura de ferro, vidro e tijolos, tão típica da indústria do fim do século XIX, início do XX. “Quando vi a Tabaqueira, reparei na sua aparência elegante e monumental. Tinha de ser reavivada para a nossa época. E eu compreendi que o edifício deve ser salvo intacto, mas despojado de preenchimentos para colocar à vista toda a sua qualidade fascinante”, explica a arquitecta ao PÚBLICO.

“Não temos nenhum direito de destruir os antigos edifícios que nos contam a história da Humanidade”, acredita Grazia Repetto. E, portanto, “devemos preservar as nossas arquitecturas passadas e usá-las da melhor maneira para o presente.”

A ideia de um museu gastronómico surgiu depois destes princípios de base estarem assentes. A partir de 2000, o Governo fez publicar um conjunto de documentos sobre a importância do receituário nacional no património cultural. Grazia foi aí inspirar-se. “No sul da Europa temos uma grande cultura gastronómica. Esta é a minha respeitosa homenagem a essa cultura e tradição”.

O projecto prevê três vertentes distintas: o museu propriamente dito; uma ágora; e, associada a ela, espaços comerciais. “Uma grande parte do piso térreo foi usada para dar vida ao edifício. Aí temos lojas, restaurantes, sítios para os jovens. Assim a Tabaqueira abre-se à vida, à cultura e ao turismo”, explica Grazia. Nos seus desenhos vêem-se ainda sítios com propostas variadas: aulas de tango num dos cantos, concertos de fado na outra ponta, feiras e exposições temporárias num piso superior. Como memória do antigo uso, a arquitecta projectou também um jardim interior com um “grande talhão” de planta do tabaco.

“Estou orgulhosa de ter pensado e projectado este museu para Portugal”, afirma Grazia Repetto, natural de Génova, cidade onde já interveio por diversas vezes e na qual tem outros projectos em curso. Para ela, “a Tabaqueira é uma emoção”, também porque lhe permite “estabelecer um diálogo entre a cultura portuguesa e genovesa, que sempre estiveram ligadas de alguma forma, também na gastronomia, por exemplo desfrutando de pratos semelhantes de bacalhau.”

A arquitecta apresentou o projecto à câmara de Lisboa e aguarda novidades. Para já, tem o apoio do Fórum Cidadania Lx. “Ficamos muito contentes, este projecto de recuperação e reutilização do edifício vem ao encontro ipsis verbis do que pedimos a Renzo Piano” em 2016, diz Paulo Ferrero, fundador do fórum. “Esperamos que a câmara aprove. Vai ser óptimo, uma mais-valia para a zona e para a cidade.”

Sugerir correcção
Ler 1 comentários