Lugares que desaparecem sem ninguém dar por isso

Trás-os-Montes podia ser apenas uma memória esbatida para Luís Preto, que nasceu lá mas que se mudou muito novo para o Minho. Mas as constantes visitas à terra natal, bem como a descoberta de semelhanças entre o território transmontano e o interior minhoto, não permitiram que isso acontecesse. Essa relação, espelhada no portefólio com que venceu o prémio Novo Talento FNAC Fotografia deste ano, é a sua tentativa de eternizar a lenta mutação de um território esquecido, e pode ser testemunhada até 20 de Março em exposição na loja FNAC do Chiado, em Lisboa.

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Um dos enunciados filosóficos mais repetidos, ao ponto de se banalizar, é aquele que questiona se uma árvore que cai numa floresta faz barulho sem ninguém por perto para a ouvir cair. A propósito do trabalho de Luís Preto, que venceu a edição deste ano do prémio Novo Talento Fnac Fotografia, podíamos formular algo semelhante: se estas pessoas e locais desaparecerem, e ninguém souber deles, alguém dará por isso?

O tempo, essa marcha ora generosa ora implacável, é o intruso bem-vindo nas imagens que Luís registou entre Trás-os-Montes e Minho e que compõem o portfólio intitulado Maciço Antigo, como a cama de rochas ancestrais que cobre a maior parte do território português. É ainda um termo de que o autor se socorre para falar do projecto, logo desde a sua génese.

Foi pelo tempo, pela capacidade de este se dilatar, que optou por abandonar a fotografia digital. “O uso da fotografia analógica proporciona um abrandamento do ritmo”, explica em conversa por telefone com o P2. “É um modo de usar a fotografia mais atento à realidade que me rodeia, preciso desse tempo para não ter uma atitude predatória em termos fotográficos para que as pessoas não se sintam intimidadas”, concretiza. Por isso decidiu passar temporadas longas, tão longas quanto o seu próprio tempo permitiu.

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Foi ainda por causa do tempo, mas pelo seu potencial transformador, que decidiu dedicar o seu tempo a fotografar estas regiões que lhe são próximas e a cuja mudança tem assistido. Geógrafo de formação, actualmente a trabalhar num gabinete técnico florestal no município minhoto de Vila Verde, Luís nasceu há 38 anos em Trás-os-Montes. Muito novo mudou-se para o Minho, juntamente com os pais.

Quando sentiu o desejo de concretizar um projecto fotográfico mais coerente e conceptual, sobretudo após a participação num laboratório de criação da plataforma portuense Ci.CLO, esta reflexão sobre as regiões no interior de Portugal, alicerçada nas linhas de semelhança com que se unem as zonas do interior minhoto às terras transmontanas, surgiu naturalmente.

“Era algo que me interessava em termos da minha identidade e relativamente às minhas origens”, explica. Um tema que lhe permitia “uma abordagem mais intimista, mais reflexiva” mas propositadamente não etnográfica nem regionalista. Por isso mesmo, Luís prefere não avançar com conclusões sobre aquilo que observou e registou nestes locais. Mais do que esbracejar com respostas, prefere que as pessoas levantem as suas questões sobre as mudanças em curso nas áreas rurais e aquilo que acredita ser “o carácter cíclico dessa mudança”.

No texto com que apresentou o trabalho a concurso, Luís descrevia estas regiões como áreas onde permanece “uma civilização dobrada sobre si” que enfrenta “o iminente desmantelamento dos pilares que a sustentam”. Ao P2 reforça o esquecimento e a “ostracização” a que sempre foram votadas. “Por todos nós, e especialmente por todas as pessoas que as acabaram por abandonar, incluindo eu e os meus pais.” Mas reconhece também os traços de uma forma muito portuguesa de lidar com a mudança, a de a fazer apressadamente. “Como nós não temos muito o hábito de inscrevermos as nossas origens, e a nossa existência, há assim uma espécie de dissonância entre nós, que procuramos um nível mais elevado e vamos para o litoral, e estas pessoas que ficam nesses locais. Tentei trabalhar essa questão dessa dignificação das pessoas que habitam esses locais.”

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No conjunto de imagens premiado, mais do que um território precisamente geolocalizado, descobre-se um não-lugar, povoado por figuras sem tempo, de rostos perenes. Como da mulher que, fitando-nos, parece desvendar o comprimento do seu longo cabelo pela primeira vez. A Luís, que começou a interessar-se por fotografia de forma mais séria há apenas cinco anos, agrada-lhe esta noção de intemporalidade, a que o preto e branco das imagens não é alheio. Não queria abordar a mudança de forma muito explícita, preferiu abordá-la “pela passagem do tempo” pelas coisas e pelas pessoas.

O projecto, para o qual agora procura apoios para uma edição em livro, não tem para já um prazo de término definido. Mais uma vez o tempo e uma corrida contra o mesmo: quer continuar a explorar o tema, ampliando a sua rede de locais e personagens, mas sem largar as mesmas geografias. “Se as deixarmos ao abandono, vamos começar a ter situações em que aldeias vão começar a ser vendidas por atacado. E esse não é o caminho. Essas pessoas que lá vivem transmitem essa sensação desoladora”, lamenta.

Há por isso um efeito “bastante terapêutico” neste trabalho. “Acabei por fazer um regresso às minhas origens e foi importante pensar neste trabalho em termos de como é que me sinto em relação à sociedade e àqueles territórios. E à vida.”

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