O “tablet” faz parte da caixa dos brinquedos?

Temos de permitir, com todo o amor e protecção, que uma criança se sinta ligeiramente frustrada, não lhe dando todos os acessórios para que ocupe o tempo, para que possa ter tempos livres de tecnologias e de brinquedos xpto

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Stocksnap/Pixabay

Os pais, com todo o amor do mundo que têm para dar aos filhos, por vezes optam pelo caminho mais fácil: as tecnologias. Isto é, sempre que as crianças estão mais agitadas entregam-lhe “aquele objecto mágico”, o tablet, e elas ficam milagrosamente sossegadas por alguns instantes. Os pais não precisam de se preocupar durante esse tempo, podem fazer o jantar, trabalhar ou, simplesmente, descansar, e a criança está entretida no tablet. A verdade é que o tablet se tornou num acessório substituto da famosa chupeta, uma espécie de "substituição directa": assim que a criança deixa a chupeta, damos-lhe um tablet e a função mantém-se — sossegá-la.

É verdade que algum tempo só para os pais é absolutamente necessário, mas os limites para o uso das tecnologias esão imprescindíveis. Aliás, os limites para todos os comportamentos das crianças são fundamentais para um crescimento saudável porque, de cada vez que os limites são comprometidos, começa a crescer um pequeno tirano de centímetro em centímetro, as vontades das crianças começam a ultrapassar as vontades dos pais e, aí sim, começam os problemas familiares. Iniciam-se aí um sem fim de reacções que estão longe de um crescimento saudável: os gritos, os braços de ferro, a constante luta por quem manda mais lá em casa. Chegam, por fim, as explosões em que os pais não se conseguem controlar, acabando por bater nos filhos porque nessas alturas já não há chupeta ou tablet que lhes valha. Os pais e os filhos expressam as emoções da pior maneira.

Muitas das nossas crianças já dominam o tablet aos três anos. É óptimo que tenha ao seu dispor toda a tecnologia, até porque no nosso dia-a-dia somos bombardeados com novas informações e tecnologia em todo o lado, mas tem de ser equilibrada e rigorosamente doseada. Se assim não acontecer, a criança começará a ficar no chamado "piloto automático", tornando-se mais fácil manusear um tablet do que andar de bicicleta, apertar os atacadores ou construir puzzles. É na infância que a inteligência emocional tem um terreno fértil para se desenvolver, quando as crianças aprendem a conhecer o outro e a relacionar-se, e as tecnologias estão de alguma forma “a chutar para canto” as relações humanas, promovendo o isolamento da criança ou a interacção atrás de um tablet.

O grande desafio às famílias é conseguir que o tablet não se sobreponha às actividades tradicionais, que fomentam o correcto desenvolvimento infantil. É essencial que continuemos a ter crianças que brincam — e por brincar subentende-se ser capaz de pegar na toalha de banho e fazer dela uma capa de super homem, de pegar num galho de árvores e fazer uma espada. Brincar é explorar o faz de conta, vivenciar vários papéis, colocando-se no papel da mãe, do pai, da professora, da avó. É ser herói e vilão, permitindo-lhe explorar os outros e descobrir quem é. O brincar é tão mais bonito e construtivo quanto mais autêntico e genuíno for, mais livre. Assim, a criança coloca à prova a sua imaginação e criatividade e isso é fundamental.

Não somos contra o tablet, o que nos preocupa é a forma como estamos a colocar em risco as relações humanas e a pôr fim à imaginação e criatividade de uma criança. Os pais apercebem-se disso quando a criança não consegue relacionar-se com os amigos ou quando chega a hora de fazer uma composição na escola e não consegue, quando tem de contar uma história e não conta nada mais nada menos do que os factos, não se baseando na sua imaginação para se colocar nos papéis do narrador.

É nos momentos de brincadeira que a criança começa por resolver as suas frustrações, quando não tem um carro vermelho com portas a abrir ou uma boneca com um vestido às bolinhas tem de se reinventar, inventar outra brincadeira ou procurar outro brinquedo. Ao lidar com as frustrações vai sendo capaz de redescobrir o mundo, gradualmente, primeiro o mundo interno e depois o externo. Temos de permitir, com todo o amor e protecção, que uma criança se sinta ligeiramente frustrada, não lhe dando todos os acessórios para que ocupe o tempo, para que possa ter tempos livres de tecnologias e de brinquedos xpto, podendo assim reinventar-se e explorar todos os sentidos. Se queremos crianças criativas, com capacidade de imaginar, de se relacionar e de ser empáticas, se queremos futuros adultos saudáveis e com capacidade de pensar por si próprios, temos que permitir que as nossas crianças tenham espaço para criar, sob pena de, caso contrário, nos limitarmos a criar crianças apenas capazes de reproduzir.

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