Subsídios à indústria na factura da luz chegam aos 88 milhões em 2018

Em 2017 havia cerca de 50 empresas industriais inscritas para prestar serviço de interruptibilidade e receber desconto. Governo prometeu introduzir concursos para reduzir os custos dos consumidores com o serviço, mas a medida ainda não saiu do papel.

Foto
As fábricas da Siderurgia Nacional no Seixal e na Maia representam 2,5% do consumo eléctrico nacional NFS - Nuno Ferreira Santos

Os portugueses vão pagar este ano na factura de electricidade cerca de 88,4 milhões de euros do serviço conhecido por interruptibilidade, segundo as contas da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). São cerca de 24 milhões de euros a menos do que em 2017.

Na prática, este serviço garante um desconto na factura eléctrica a empresas industriais que estão inscritas numa lista de grandes consumidores disponíveis para reduzir os seus consumos em situações de emergência, de eventuais desequilíbrios entre a produção e a procura de electricidade que possam causar um apagão.

A ERSE, que tem de repercutir a remuneração pelo serviço nas tarifas pagas pela generalidade dos consumidores, refere nos documentos das tarifas reguladas para 2018 que o custo previsto até Dezembro são 88,4 milhões de euros, dos quais cerca de 20 milhões serão pagos à Siderurgia Nacional, que sozinha representa 2,5% do consumo eléctrico.

No ano passado, havia cerca de 50 grandes empresas com contratos de interruptibilidade (com validade de um ano e renovação automática), mas as suspeitas de que algumas não estavam aptas para prestar o serviço, levou a que o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, publicasse, em Outubro de 2016, uma portaria a determinar a realização de testes para “credibilizar e dar rigor ao sistema”.

Além disso, o diploma também fixava que a Direcção-geral de Energia e Geologia (DGEG) deveria introduzir em 2017 um novo modelo com “soluções concorrenciais” de prestação do serviço, que garantisse a segurança do abastecimento, mas também que se traduzisse numa “redução global de custos” para o sistema, ou seja, para os consumidores. A alteração deste regime foi precisamente uma das medidas acordadas pelo grupo de trabalho criado pelo Governo, o PS e o Bloco de Esquerda para reduzir o défice tarifário e a factura energética das famílias.

Segundo o diploma, com os testes a realizar pela REN, as empresas teriam de demonstrar a sua capacidade para atender a uma ordem de “redução efectiva de potência” dada pelo operador de rede, “com a duração mínima de uma hora incidindo sobre aproximadamente 10% do total de potência interruptível contratada”.

Foi a detecção nos testes de situações de “incumprimento por parte de algumas instalações” que levou a ERSE a rever “ligeiramente em baixa” o valor da interruptibilidade para 2018, prevendo-se que os descontos subsidiados pelos portugueses caiam face a anos anteriores (112 milhões em 2017 e 103,9 milhões em 2016). Mas, no documento das tarifas, a entidade reguladora, a quem, segundo a portaria, caberia emitir parecer sobre o novo modelo da interruptibilidade, nota que a medida ainda não saiu do papel.

“A ERSE desconhece alterações” que não sejam a realização dos testes, mas diz que “terá em consideração no cálculo tarifário os impactos provenientes das alterações ao regime da interruptibilidade assim que sejam concretizadas”.

O PÚBLICO questionou a secretaria de Estado da Energia sobre a introdução do novo modelo e sobre as situações de incumprimento detectadas nos testes realizados em 2017, mas não obteve comentários. Até Março de 2017 (data em que a REN, que gere o serviço da interruptibilidade, publicou o relatório de 2016) nunca houve necessidade de dar qualquer ordem de redução da potência (fora do âmbito dos testes) para garantir a estabilidade do sistema. O PÚBLICO questionou a REN e a secretaria de Estado, mas também não conseguiu saber se depois dessa data houve alguma emergência que obrigasse a activar o serviço.

Estes descontos – de que têm beneficiado empresas como a Ar Líquido, Cimpor, CMP, CUF, Portucel, Sakthi, Secil, Siderurgia, Solvay e Somincor, que são associadas da APIGCCE - Associação Portuguesa dos Industriais Grandes Consumidores de Energia Eléctrica, mas também outras como a Altri, Renova, Sonae Indústria, Sovena ou Riopele – são semelhantes a outros mecanismos existentes na Europa e são, assumidamente, um incentivo à indústria.

Em declarações anteriores ao PÚBLICO, a APIGCCE (cujos associados representam 10% do consumo eléctrico e 25% do consumo industrial em Portugal) definiu-o como um serviço “fundamental para o sistema eléctrico português, para a competitividade industrial e manutenção do investimento no país” e garantiu que todas as suas associadas realizaram testes por iniciativa própria, simulando uma “ordem externa de redução de consumo, tal como seria feito pela REN em funcionamento normal”.

Dizendo olhar com “séria preocupação” para uma eventual “redução nas contrapartidas”, a APIGCEE frisou que isso acarretará “perda de mercado, com consequências óbvias em termos de consumo de energia, de quebra nas exportações ou aumento de importações, e de emprego”. Qualquer revisão deverá “facilitar à indústria regimes que permitam atingir custos de electricidade comparáveis” aos dos concorrentes europeus, frisaram os industriais.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários