A violência é demasiado normal

Os adolescentes têm uma noção de violência ampla e espúria, na qual não cabem o controlo do vestuário, o insulto, a humilhação nas redes sociais, a violência psicológica nas suas variadas e perversas facetas. Violência é a agressão física, caso deixe marcas – acham eles.

O que há de mais inquietante e assustador quando falamos de violência no namoro, a par da sua dimensão, é a estranha naturalidade com que as vítimas e os agressores a referem. Os adolescentes reproduzem acriticamente uma desigualdade de género, uma relação de poder que ainda repercute uma masculinidade datada e subdesenvolvida. E, como se isso não bastasse, têm uma noção de violência restrita e espúria, na qual deveria caber o controlo do vestuário, o insulto, a humilhação nas redes sociais, a violência psicológica nas suas variadas e perversas facetas. Acham eles que violência é apenas a agressão física, caso deixe marcas.

Se nesta faixa etária a violência é encarada como uma banalidade numa relação entre duas pessoas, não é de estranhar que enquanto adultos venham a exibir o mesmo modelo. Se não é que já o fazem, ao reproduzirem um modelo conjugal e familiar próprio de uma sociedade que persiste patriarcal e machista. E na qual o feminismo é erradamente encarado como o reverso do machismo e não como a defesa do mais elementar direito de igualdade.

A violência doméstica e certamente que a violência no namoro são socialmente transversais e decorrem da assunção de que uns exercem o poder legitimamente e que aos outros não resta outra hipótese excepto continuar a aceitar passivamente essa desigualdade. A primeira foi durante muitos anos ignorada. Não era sequer registada enquanto tal nas estatísticas policiais. A consciência de que se tratava de um crime é algo recente e nem sempre e nem todos os agentes judiciais são sensíveis ao que ela implica. Basta recordar casos em que o Ministério Público não foi suficientemente lesto na protecção de uma vítima ou os acórdãos em que a vítima é transformada na personagem feminina e maldosa da história para perceber como a violência conjugal é algo tão entranhado e ao mesmo tempo desvalorizado.

Se a magistratura carece de acções de formação em igualdade de género, o mesmo se poderá dizer dos professores. A Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania é um bom pretexto para incluir a violência no namoro entre as preocupações curriculares das escolas. E quanto mais cedo esse esforço for desenvolvido, mais eficaz será a sua finalidade preventiva, na esperança de que a sociedade em que vivemos não tolere uma cultura de wrestlers boçais e incivilizados. Não pode existir cidadania quando há violência de género.

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