Uma em cada seis crianças vive em zonas de conflito

A Save the Children diz que mais de 357 milhões de crianças sofrem com conflitos armados: um aumento de 75% relativamente a 1995.

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A lista de países onde as crianças são mais vulneráveis é liderada pela Síria, seguida pelo Afeganistão e Somália Reuters/HOSAM KATAN

São mais de 357 milhões as crianças que vivem actualmente numa zona de conflito. Uma em cada seis crianças vive a pelo menos 50 quilómetros de uma área de guerra, estando exposta à violência, diz o mais recente relatório da organização britânica Save the Children.

“Todas as guerras, justas ou injustas, desastrosas ou vitoriosas, são travadas contra a criança”. A frase foi dita há quase cem anos por Eglantyne Jebb, fundadora da Save the Children, e referia-se à fome que atingia as crianças na Áustria e na Alemanha nos anos que se seguiram à I Guerra Mundial. E é desta ideia que parte o relatório da organização que tenta destapar uma realidade nem sempre óbvia.

Criticando as “enormes falhas” nos dados disponibilizados sobre os conflitos, o relatório centra-se no período entre 1996 e 2016, explicando que este é o ano mais recente com dados verificados mais completos. Relativamente a 2017, apesar da pouca informação disponível, foram utilizadas fontes consideradas fidedignas como os relatórios das Nações Unidas. Porém os dados relativos a situações como a perseguição à minoria muçulmana dos rohingya na Birmânia não são aqui retratados de forma rigorosa. Ou seja, os números que apontados podem ser maiores.

A partir dos números que existem, foi possível concluir que as crianças estão agora mais expostas a riscos derivados de conflitos armados do que nos últimos 20 anos: em 1995, 200 milhões de crianças viviam em zonas de conflito e em 2016 o número subiu para mais de 357 milhões. Um aumento de 75%.

Ao longo de todo o documento vão surgindo relatos de crianças afectadas pela guerra. São usados nomes fictícios: “Um ataque aéreo atingiu a minha aldeia quando estava em casa a fazer os trabalhos de casa. De repente, parte do tecto caiu, e a bomba veio através de um buraco no tecto e explodiu no meu quarto”, conta Reem, de 13 anos, que vive no Iémen. “Caminhei até ao hospital enquanto sangrava. O médico deu-me assistência apenas por um mês, e pediu-nos para regressarmos a casa porque não havia espaço. Pediram-nos dinheiro para nos darem um quarto no hospital que eu não tinha. Por isso, fui-me embora”.

pt)" target="_blank">A lista de países onde as crianças são mais vulneráveis é encimada pela Síria, seguida pelo Afeganistão e Somália. Os dez primeiros classificados deste ranking são todos do Médio Oriente e África, as regiões mais perigosas para as crianças, segundo o relatório: no Médio Oriente, duas em cada cinco crianças estão expostas a conflitos, e em África uma em cada cinco.

Da Síria, surge a história de Basma, de oito anos: “Eu nunca mais vi a minha escola e os meus amigos; tenho muitas saudades deles”, diz. “Nunca parei de ir à escola, mas nesta nova cidade a minha escola foi atingida, e desta vez morreram 20 crianças”.

Quase metade das crianças em risco – cerca de 165 milhões – está em áreas de conflitos de “alta intensidade”. Estão expostas ao que a ONU considera serem “graves violações”: morte e mutilações; recrutamento para combates; violência sexual; rapto; ataques a escolas e hospitais; negação ao acesso humanitário.

Algumas destas violações fazem parte de uma “tendência crescente” que se tem registado nos últimos anos nos conflitos urbanos e que ajuda a explicar o aumento de 300% no número de crianças mortas e mutiladas desde 2010, de acordo com os dados disponibilizados pela ONU. Esta nova “tendência” inclui recrutamento de crianças – muitas vezes como bombistas suicidas –, violência sexual, ataques a escolas e hospitais que o relatório diz serem o “novo normal”, tácticas de cerco para submeter a população à fome e bloqueios intencionais aos corredores humanitários.

Um desses exemplos é dado por Halime, nigeriana de 16 anos: “Fui capturada com 13 anos. Eles ataram a minha mãe a uma árvore e mataram-na a tiro. Quando mataram toda a gente disseram-me para ir com eles”. Foi forçada a casar com um dos raptores e foi resgatada pelos militares da Nigéria quando já tinha um filho dele. 

“A natureza do conflito moderno está a mudar, e está a mudar numa forma que muitas vezes protege mais os soldados do que os civis”, lê-se no relatório intitulado de War on Children (guerra às crianças).

Apesar de a investigação da Save the Children concluir que o número de mortes de crianças com armas químicas e minas diminuiu, o uso de bombas improvisadas aumentou, levando à morte indiscriminada de soldados e civis.

“O impacto psicológico do stress tóxico nas crianças que vivem nas zonas de conflito é profundo e pode levar a um círculo vicioso no conflito, no qual a próxima geração luta para reconstruir uma sociedade pacífica que se segue ao trauma da violência”, diz o documento.

Para responder a essa pergunta o relatório propõe quatro aéreas fundamentais para agir: investir para prevenir que as crianças sejam postas em risco; cumprir os padrões e leis internacionais; intensificar a acção para responsabilizar os infractores; aumentar o esforço para reconstruir as vidas das crianças atingidas pelos conflitos. Para cada ponto, a organização propõe recomendações práticas.

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