A partir de agora nada de sexo entre os ministros australianos e o seu staff

Vice-primeiro-ministro manteve um caso com a sua assessora de imprensa e o filho de ambos vai nascer em Abril. Em resposta ao turbilhão que daí surgiu o chefe do Governo de Camberra quer proibir as relações sexuais entre os ministros e os seus colaboradores.

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Barnaby Joyce na chegada ao Parlamento, em Camberra Reuters/HANDOUT

O escândalo rebentou na semana passada quando o Daily Telegraph de Sydney publicou na primeira página uma fotografia que confirmava a gravidez de Vikki Campion, antiga consultora de comunicação do vice-primeiro-ministro australiano Barnaby Joyce e o fim do casamento de 24 anos deste político que é também o líder do Partido Nacional da Austrália.

A imagem, que mostra Campion a atravessar a rua, vinha acompanhada do subtítulo: “’Loucamente apaixonado’, o vice-primeiro-ministro está à espera de um bebé com uma ex-colaboradora.”

Esta quinta-feira, numa conferência de imprensa que marcou o fim de uma semana dominada pelo caso Joyce-Campion, Malcolm Turnbull, o chefe do Governo falou pela primeira vez desta polémica que está a pôr à prova a coligação no poder e defendeu que se proíbam as relações sexuais entre os ministros e os membros do seu staff.

Dizendo que o seu vice cometeu “um erro chocante de discernimento” que afectou todas as mulheres da sua vida – Joyce é casado e tem quatro filhas –, Turnbull fez saber que o colega de executivo tirou uma licença pessoal para se reorganizar – vai tentar que a ex-mulher e as filhas lhe perdoem, enquanto procura criar um novo lar para a sua companheira e o filho de ambos que deverá nascer já em Abril, explicou aos jornalistas.

Diz o diário britânico The Guardian que Malcolm Turnbull falou num tom que deixa antever uma ruptura entre os dois políticos. Turnbull, que lidera o Partido Liberal da Austrália, é a cabeça de um Governo de coligação e Joyce costuma substituí-lo no cargo sempre que o primeiro-ministro tem de se ausentar. Garantem a imprensa australiana e britânica, no entanto, que dado o actual clima de controvérsia e a licença de Boyce tal não deverá acontecer na próxima semana, quando Turnbull se deslocar a Washington.

Ainda durante a conferência desta quinta-feira, e depois de reconhecer que o caso Joyce-Campion levanta “uma série de questões sobre a cultura do Parlamento”, o primeiro-ministro recordou que o comportamento dos ministros deve ser exemplo do respeito nos locais de trabalho e deve reflectir os “valores de integridade” e decoro que os australianos legitimamente lhes exigem.

Lembrando que as famílias dos políticos “sacrificam muito” para que estes possam dedicar-se à vida pública, merecendo também por isso ser honradas e respeitadas, Turnbull deixou claro que pretende acrescentar uma “cláusula inequívoca” ao código de conduta ministerial: “Os ministros, independentemente de serem casados ou solteiros, não devem envolver-se em relações sexuais com o seu staff.”

Esta cláusula entra em vigor “a partir de hoje”, esclareceu, acrescentando em seguida: “[Barnaby Joyce] terá de considerar a sua posição” como líder do Partido Nacional.

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O escândalo rebentou na semana passada quando o Daily Telegraph de Sydney publicou na primeira página uma fotografia que confirmava a gravidez de Vikki Campion

Ataque cerrado

As declarações do chefe do Governo no Parlamento estão a ser vistas pelos analistas como uma forma de se distanciar cada vez mais de Joyce, embora Turnbull não se tenha juntado aos que já sugeriram a demissão do vice-primeiro-ministro (esta quinta-feira foram derrotadas no Parlamento as moções que pediam o seu afastamento).

Até aqui, segundo a agência de notícias Associated Press, o primeiro-ministro tinha-se recusado a comentar o comportamento do seu vice, alegando querer respeitar as suas filhas, aquela que foi a sua mulher durante 24 anos, Natalie, e a sua actual companheira.

Barnaby Joyce luta agora pela sua sobrevivência política. Apesar de ter argumentado publicamente mais do que uma vez que o fim do seu casamento e a relação com Vikki Campion são assuntos do foro privado, o político tem sido muito atacado devido às suspeitas de favorecimento que rodeiam a nomeação da sua companheira para dois cargos públicos muitíssimo bem pagos depois de ter passado pelo seu gabinete, assegura a agência Reuters, e o apartamento onde ambos vivem. Escreve o Guardian que o vice-primeiro-ministro assegurou ao Parlamento que o apartamento milionário lhe foi emprestado pelo empresário Greg Maguire, que se ofereceu para o acomodar mal soube do seu divórcio, mas este homem de negócios veio mais tarde contradizê-lo, garantindo que foi o líder do Partido Nacional da Austrália quem o procurou, dizendo estar disponível para pagar uma renda.

“As minhas circunstâncias pessoais têm andado numa montanha russa nesta última semana. Eu aceito isso – é o preço a pagar por fazer vida na política”, disse Barnaby Joyce, no seu primeiro discurso no Parlamento desde que o escândalo rebentou.

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Malcolm Turnbull, chefe do Governo, falou pela primeira vez desta polémica que envolve o seu vice-primeiro-ministro e está a pôr à prova a coligação no poder EPA/LUKAS COCH

Uma imprensa demasiado púdica?

Para Amelia Lester, escritora e editora australiana que assina um artigo de opinião no diário The New York Times, a controvérsia que agora envolve Barnaby Joyce, um político que a faz lembrar o vice-Presidente norte-americano Mike Pence, também ele visto como um acérrimo defensor dos valores da família, tem todos os ingredientes de um típico caso de hipocrisia na política.

O que espanta esta colunista não é que Joyce, que sempre se opôs ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, justificando a sua posição com o direito das quatro filhas a uma “relação segura com um marido adorável”, tenha traído a mulher, mas o facto de a imprensa australiana ter demorado tanto tempo a expor uma história que era comentada entre os jornalistas pelo menos desde Outubro.

Num artigo a que deu o título “Serão os media australianos demasiado púdicos para uma escândalo sexual?”, Lester levanta a possibilidade de a demora se dever às leis de difamação com que os jornalistas têm de lidar, demasiado pesadas, “do género das que agradariam a Donald Trump [Presidente americano]”.

Outro motivo, escreve, prende-se com uma cultura editorial. Diz Lester que os jornais australianos sempre fizeram questão de se distanciar dos tablóides britânicos que parecem permanentemente obcecados com a vida sexual dos políticos e de outras figuras públicas. Mas isso pode estar prestes a mudar. Questiona-se a colunista no New York Times: Será que o caso Joyce-Campion veio alterar o comportamento dos jornais australianos? Não terão os eleitores direito a saber se um candidato que prega os valores da família os pratica em privado?

Amelia Lester deixa ainda outra pergunta sobre a qual vale a pena reflectir num mundo pós-Weinstein, em que a opinião pública tem sido bombardeada com notícias sobre abuso e assédio sexuais: Estarão os jornalistas mais confiantes para expor a relação de homens poderosos com mulheres que trabalhem para eles?  

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