Supremo diz que prisão de Raul Schmidt não é ilegal ou arbitrária

Suspeito da operação Lava-Jato enfrenta um processo de extradição para o Brasil.

Foto
Nuno Ferreira Santos

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) recusou nesta quarta-feira o pedido de libertação de Raul Schmidt, justificando que não compete nos autos do habeas corpus "sindicar o mérito" ou a forma como o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu extraditar o empresário luso-brasileiro.

"No domínio destes autos de habeas corpus cumpre apenas e só apreciar se a prisão do requerente (Raul Schmidt) é legal ou ilegal", refere a decisão do STJ, que acrescenta que "a prisão em causa (...) não é ilegal, nem patente, grosseira, arbitrária ou chocante (casos em que a providência de habeas corpus funciona)".

Desta forma, o STJ deliberou indeferir o pedido de habeas corpus apresentado por Raul Schmidt Felippe Junior, por "falta de fundamento bastante".

A decisão do STJ teve uma declaração de voto do juiz conselheiro Santos Cabral em que este defende que a resolução da questão da relevância do estatuto da nacionalidade originária deve ser necessariamente "prévia à efectivação da extradição", pois, em seu entender, tem "virtualidade para que seja decretada a sua inadmissibilidade jurídica".

Raul Schmidt, representado pelo advogado Alexandre Mota Pinto, fundamentou o pedido de habeas corpus na ilegalidade da prisão derivada da circunstância de o empresário ser "português de origem", ou seja, desde o nascimento, o que inviabiliza a extradição para o Brasil.

Raul Schmidt invocou o novo estatuto de "cidadão nacional português originário", obtido ao abrigo das alterações à Lei da Nacionalidade, observando que como nacional de origem, por nascimento, não pode ser extraditado para um Estado que não admita reciprocamente a extradição de nacionais de origem, como é o caso do Brasil.

O STJ menciona que a decisão da Relação de Lisboa, de Dezembro de 2016, foi tomada numa altura em que Raul Schmidt era um "cidadão português naturalizado" e que só em Janeiro de 2018, "muito tempo depois da prolação do acórdão da Relação, é que passou a ser português originário" de acordo com a Lei da Nacionalidade.

O STJ transcreve ainda os artigos da Lei da Nacionalidade relativos aos efeitos da atribuição e alterações da nacionalidade, em que se refere que a atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento, sem prejuízo da validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base em outra nacionalidade.

Raul Schmidt, após ser detido a 3 de Fevereiro no Sardoal, distrito de Santarém, interpôs de imediato um pedido de habeas corpus ao STJ, evitando a extradição para o Brasil, anteriormente autorizada pela Relação de Lisboa.

No âmbito do processo Lava Jato, Raul Schmidt é investigado pelo pagamento de luvas aos ex-directores da Petrobras Renato de Souza Duque, Nestor Cerveró e Jorge Luiz Zelada – todos envolvidos no esquema de corrupção, branqueamento de capitais e organização criminosa relacionado com a petrolífera estatal brasileira Petrobras.

Depois de várias faltas à prestação de um termo de identidade e residência e tendo transitado em julgado a decisão de o extraditar, a Relação de Lisboa "emitiu um mandado de detenção com vista à entrega do arguido às autoridades brasileiras, dando execução à sentença", precisou aquela instância superior.

Segundo a imprensa brasileira, além de actuar como operador financeiro no pagamento de subornos aos agentes públicos da Petrobras, o empresário luso-brasileiro também surge como intermediário de empresas internacionais na obtenção de contratos de exploração de plataformas da Petrobras.

Na 13.ª Vara Federal da Justiça Federal, em Curitiba, há dois processos contra Schmidt por corrupção, organização criminosa e branqueamento de capitais. As duas acções penais aguardam o resultado do processo de extradição.

Extradição pode ocorrer em 60 dias

O advogado do empresário luso-brasileiro Raul Schmidt disse que a extradição pedida pelo Brasil no âmbito do processo Lava Jato poderá ocorrer nos próximos 60 dias, caso a justiça portuguesa não suspenda a decisão.

"Se não for atribuído efeito suspensivo ao pedido de revisão (entregue nesta quarta-feira no Tribunal da Relação), se a justiça portuguesa extraditar sem apreciar se o pode fazer por ser cidadão de origem isto pode acontecer nos próximos 60 dias", disse.

Alexandre Mota Pinto falava aos jornalistas depois de o Supremo Tribunal de Justiça ter rejeitado o habeas corpus com o argumento de que este procedimento não era o meio adequado para combater a invocada ilegalidade de extradição porque Raul Schmidt adquiriu nacionalidade portuguesa de origem.

"Do acórdão do STJ resulta que, de facto, a extradição parece ser ilícita e inconstitucional, mas que o meio próprio [para contestar] é o recurso de revisão que já intentámos [no Tribunal da Relação de Lisboa]", disse Alexandre Mota Pinto, advogado de Raul Schmidt.

O advogado disse esperar que o requerimento apresentado para revisão da decisão de extradição seja tratado com toda a celeridade e que seja atribuído efeito suspensivo à extradição.

Caso a apreciação seja feita a posteriori do prazo de extradição, adiantou, não terá efeitos práticos porque Raul Schmidt já estaria no Brasil.

"Seria a mesma coisa que apreciar o direito à vida de um condenado à morte depois de este ser executado. É o que a justiça portuguesa está a apreciar, o direito fundamental de liberdade e garantia de ser julgado em Portugal", disse.

Alexandre Mota Pinto disse ainda que se for determinada a extradição de um português de origem como defende ser o seu constituinte, será uma decisão inédita particularmente quando o Brasil não tem essa prática.

O advogado referiu a título de exemplo o caso do padre Frederico, condenado pelos tribunais portugueses pela morte de uma criança, e que, por ser cidadão brasileiro, o Brasil não autorizou a extradição para cumprimento de pena.

"Tenho confiança na justiça portuguesa e nos juízes portugueses, seria um absurdo extraditar sem antes apreciar se o pode fazer. Estamos perante uma situação inédita de uma possível extradição de um nacional português para o Brasil, algo que nunca aconteceu", adiantou. 

Sugerir correcção
Comentar