“Estamos a fazer do PSD um novo Bloco e um novo PCP”

Miguel Pinto Luz, ex-líder da distrital do PSD-Lisboa que enviou carta aberta a Rui Rio a desafiar para uma vitória nas legislativas, diz que o partido "não tem congressos de aclamação".

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"Tenho muitos amigos no PSD: falo com Miguel Relvas, com Luís Montenegro, com Pedro Duarte, Luís Marques Mendes, Carlos Moedas. Dizer-se que estou ao serviço de A, B ou C é não me conhecer" Nuno Ferreira Santos

O vice-presidente da câmara de Cascais discorda da estratégia de "derrota" desenhada na campanha de Rui Rio e exige clarificação no próximo congresso onde vai participar. Com 40 anos, natural de Lisboa, Miguel Pinto Luz garante não estar ao serviço de nenhuma outra figura do partido. 

Porque escolheu este timing para escrever a carta a Rio?
O timing é este porque é o timing do congresso. Porque o PSD não tem congressos de aclamação. Tem congressos para aprovar a moção global do líder. Eu não estou a pôr em questão esta liderança. Foi legitimamente e democraticamente eleita. Cabe agora ao congresso votar – a palavra é votar, não é por aclamação – uma moção de estratégia global. A minha preocupação tem a ver com o posicionamento do PSD como um todo. É o projecto que o PSD tem para apresentar ao país e por isso eu tenho de questionar o presidente do partido. A pergunta que pode ser feita é: então por que fez numa carta aberta? Porque objectivamente o debate tem de acontecer. É saudável. Muitas vezes somos criticados porque não é debate interno, porque não há dialéctica, porque não há divergência, não há unanimismos e quando aparece alguém no momento certo a pedir clarificação é logo apelidado de divisionista.

Na carta diz que este resultado não confere mandato a Rio para encontros informais com a liderança do PS para reeditar um bloco central. Quase sugere que há um acordo secreto para isso. Acredita que há?
Depois da minha carta, vários líderes e dirigentes vieram a terreiro reafirmar isto. Durante a campanha eleitoral assisti de fora, quase perplexo, a este discurso de aproximação ao PS quase justificativo de uma derrota do PSD e ao colocar do PSD como um partido-muleta. Esse não é o posicionamento do PSD, o PSD parte para qualquer eleição para ganhar. É um partido mobilizador da sociedade. Esse é o PSD que conheço e com o qual me identifico. Perante esse discurso ambíguo, não ficou claro. O PSD tem de se apresentar com um projecto mobilizador – depois de duas vitórias eleitorais legislativas – é esse legado que cabe ao PSD defender. Não existe mandato para este líder, após a campanha eleitoral que fez, após os debates e os esclarecimentos que fez aos militantes, fazer uma aproximação ao PS. Nem tão pouco, como digo na carta, ponderar uma viabilização do Orçamento do Estado (OE). Reprovámos o OE durante três anos, como é que os portugueses compreenderiam que, no último ano, antes das eleições legislativas, no fim do mandato, nós fôssemos viabilizar um OE com o qual não concordamos? Isso carece de clarificação. Se ele quiser clarificar, a legitimidade pode vir do congresso.

Essa estratégia que está a criticar foi legitimada eleitoralmente nas directas.
Não me parece. Para quem assistiu aos debates e às sessões de esclarecimento, nunca foi clara a posição.

No caso de Rio perder as legislativas não tem condições para continuar, deve sair?
Alguns colegas seus dizem que ‘Miguel Pinto Luz já pede a demissão quando ainda o líder não tomou posse’. Que fique claro: não estou a pedir a demissão de ninguém. Fez-me confusão quando o professor David Justino, pessoa por quem tenho muito apreço, disse que ‘se perdermos as eleições não temos de deitar um líder fora’. Até pdoemos pensá-lo, mas exteriorizar este tipo de posicionamento, quando ainda não se partiu para uma batalha, parece-me uma estratégia perdedora à partida. Temos de partir para este ciclo de dois anos, que vai culminar nas legislativas, com um projecto mobilizador.

Que resultado seria uma vitória nas legislativas?
Só há um: é ganhar as eleições.

Mas pode ganhar e não governar…
Temos de lutar por um resultado que nos garanta a capacidade de governação.

Não acha que o PSD e o PS se deviam entender em certas matérias estruturais como ainda este fim-de-semana defendeu Pedro Duarte?
E como defende Luís Marques Mendes, como eu defendi. Há pactos de regime que têm de ser feitos. Sabemos que há matérias que precisam de maiorias qualificadas, os partidos da alternância democrática têm de se entender. Isso não tem nada a ver com um posicionamento de bloco central, de recentramento do PSD.

O que o preocupa é um bloco central?
O que me preocupa é o PSD partir para umas eleições derrotado à partida.

Não o convence o argumento de que o PSD, ao viabilizar um governo PS, está a afastar o PCP e o BE da governação?
Não. É exactamente o contrário. Com um argumento desses estamos a fazer do PSD um novo Bloco e um novo PCP. O PSD não é o Bloco de Esquerda, não é o PCP. Não é um partido-muleta.

Podia abrir espaço ao centro…
Esse discurso de recentrar o PSD tem dois problemas. Um é conjuntural: numa altura em que foi o PS a aliar-se a partidos radicais de esquerda, anti-europeístas e anti-nato e a favor das nacionalizações, dizer que nós é que temos de nos recentrar é dar de bandeja o que o PS quer. Não alinho nesse discurso. Foi Governo de Passos Coelho que aumentou as pensões mínimas, que garantiu subsídio de desemprego para os recibos verdes, foi o Governo de Passos Coelho, com as suas políticas a nível laboral, que levou a que tenhamos o desemprego que temos hoje. Há também um problema estrutural neste discurso: nós não podermos oferecer à sociedade portuguesa do século XXI o mesmo projecto de social-democracia que oferecemos na década de 70, de 80 ou de 90. Tem de ser actualizado.

Acha que o discurso de Rio está desactualizado?
Não lhe digo isso. Digo é que a moção de estratégia global, que li, é bem escrita, bem estruturada, mas diz no início ‘atenção que isto são linhas gerais que têm de ser aprofundadas’. Ora, eu entendo que uma moção global tem de ser estratégica mas não pode ser tão vaga tão vaga que permita tudo. Aquilo que li pareceu-me demasiado vago e por isso é que questionei.

Está quase a concordar com Passos Coelho que disse, na semana passada, que não é preciso recentrar o partido porque o PSD é o que sempre foi.
Essa discussão de esquerda/direita é absolutamente estéril. O PSD tem uma vantagem objectiva face aos outros partidos. A nossa ideologia são as pessoas, é o país real. É centrada na pessoa humana, centrada num humanismo muito forte e coeso e, portanto, podemos implementar políticas que resolvam os problemas das pessoas, não estando tão preocupados se a medida é mais à esquerda, mais à direita, mais ao centro, mais liberal ou conservadora. Não, nós apresentamos políticas para as pessoas. Somos o partido das pessoas reais.

Pedro Duarte diz que exigir a Rio que ganhe as legislativas é deitar uma casca de banana. Como é que vê essa afirmação?
O meu posicionamento foi muito genuíno. As pessoas tentam fazer leituras de posicionamento para o futuro, de tacticismo. Também gosto de pensar que o pensamento dos outros foi genuíno. É nessa liberdade de expressão que interpreto a opinião de Pedro Duarte, meu amigo.

O facto de não se ter candidatado à liderança não lhe retira legitimidade para fazer este tipo de exigências ao líder?
Se me permite responder, digo por que é que me candidatei. Fui presidente da distrital do PSD de Lisboa durante seis anos, mas muito focado no apoio à acção política de Passos Coelho. Quando ele disse que não avançaria - se ele tivesse avançado eu estaria inequivocamente ao lado dele - apareceram dois candidatos, homens que muito prezo e que já deram muito ao partido. É preciso o PSD focar-se no Portugal de hoje e ser capaz de gerar novos protagonistas – não falo em novas gerações – tenham que idade tenham. Foi nessas condições que ponderei avançar. Porque é que decidi não avançar? Porque a decisão merece preparação e, como lhe disse, estava focado na ajuda a um governo difícil de Passos Coelho. Precisava de uma preparação para uma ponderação. Outros que tiveram uma preparação deviam ter avançado e não avançaram.

Fala de Luís Montenegro?
Não interessa agora fulanizar.

Como é que responde quando o acusam de ser responsável por derrotas em Lisboa nas últimas duas autárquicas?
É interessante que, quando se fala nesse assunto, não se fala, por exemplo, nas vitórias nas legislativas em 2011 e 2015. Em 2013, como é que eu vivi esse momento? Muito simples. Democraticamente apresentei a minha demissão e apresentei-me novamente a votos. Ganhei outra vez com uma maioria vastíssima. Olho para essas derrotas como um processo de crescimento.

Outra das críticas que lhe fazem é dizer que está ao serviço de Miguel Relvas. Como olha para isso?
Tenho 40 anos e há uma característica que tenho desde sempre: penso pela minha cabeça e decido pela minha cabeça. Tenho muitos amigos no PSD: falo com Miguel Relvas, com Luís Montenegro, com Pedro Duarte, Luís Marques Mendes, Carlos Moedas. Dizer-se que estou ao serviço de A, B ou C é não me conhecer.

Qual deve ser o perfil do cabeça de lista do PSD às europeias?
Deve ser um perfil profundamente europeísta, defensor dos valores que a Europa promoveu nos últimos 60 anos, que seja o receptáculo do legado do PSD como partido europeísta. Além disso, tem de ser alguém com força e capacidade política para lutar por estes valores.

Defendeu a limitação dos mandatos dos deputados? Pensou em algum número?
O PSD não pode passar a vida em falar em reforma do sistema político sem dar passos. E um passo que podia ser interessante seria, por que não, limitar o mandato dos deputados. Era uma medida única que – praticamente não existe a nível europeu – sinalizava a vontade de mudar as coisas. Não tenho um número fixo [para o limite].

O PSD vai sair mais pacificado após o congresso?
Acho que sim, é inevitável. Estamos a abrir um período de discussão, mas a solidariedade com o líder é absoluta. Estarei a seu lado como sempre estive mesmo quando houve afastamentos e sectarismos no PSD. 

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