Director da Oxfam que organizou orgias no Haiti foi denunciado na Libéria anos antes

O belga Roland van Hauwermeiren saiu da organização Merlin em 2004 após uma investigação e foi contratado pela Oxfam em 2006. Devido à falta de alertas, ainda trabalhou na Action Against Hunger no Bangladesh.

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Roland van Hauwermeiren esteve na Libéria, no Chade, no Haiti e no Bangladesh a trabalhar para organizações não-governamentais Reuters/ANDRES MARTINEZ CASARES

A organização de ajuda humanitária Oxfam continua no centro de um escândalo de abusos cometidos por alguns dos seus funcionários em zonas afectadas por guerras ou catástrofes naturais, e há um nome que surge como pivô nas recentes acusações. O belga Roland van Hauwermeiren, que se demitiu em 2011 depois de uma investigação interna sobre sexo com prostitutas, já tinha sido denunciado numa situação semelhante na Libéria quando trabalhava na britânica Merlin – mesmo assim, viria a ser nomeado director da Oxfam no Chade e no Haiti e da francesa Action Against Hunger no Bangladesh.

Roland van Hauwermeiren saiu da Oxfam em 2011, durante a grande operação internacional de ajuda humanitária no Haiti. Depois de uma investigação interna, cujos pormenores não foram transmitidos ao regulador do Governo britânico, Van Hauwermeiren admitiu que pagou por sexo com mulheres, no meio de uma situação catastrófica e de grandes necessidades resultante do terramoto que tinha deixado o país em ruínas um ano antes.

O belga saiu da organização pelo seu pé e a Oxfam aprovou nessa altura um código de conduta mais explícito e restritivo, mas não terá alertado outras organizações sobre o padrão de comportamentos do seu antigo funcionário – depois da Oxfam, Van Hauwermeiren foi contratado pela francesa Action Against Hunger para liderar a organização no Bangladesh.

"Durante o processo de contratação, a Action Against Hunger não recebeu nenhuma informação sobre comportamentos impróprios ou antiéticos de Van Hauwermeiren enquanto ele esteve com a Oxfam no Haiti, ou avisos sobre os riscos de o contratar", disse à Sky News um porta-voz da organização que não é identificado na notícia. O mesmo responsável disse que a organização lançou uma investigação sobre o período em que o belga esteve nos seus quadros.

Manto de silêncio

Mas as questões sobre a forma como a Oxfam e outras organizações geriram as queixas contra Van Hauwermeiren e outros funcionários abrangem um período mais alargado – sabe-se hoje que o belga já tinha sido denunciado em 2004, quando era director da organização britânica Merlin na Libéria; e em 2008 quando, já na Oxfam, recebeu 750 mil dólares (608 mil euros) do Governo sueco para um programa no Chade.

Nos casos da Libéria, em 2004, e do Haiti, em 2011, estão em causa denúncias de pagamento por sexo com mulheres, quase sempre descritas como "jovens", embora não haja provas, até agora, de que tenham sido envolvidas menores de idade.

Se não ficar provado o envolvimento de menores e de mulheres contra a sua vontade, o caso centra-se num comportamento antiético de funcionários de organizações cuja principal função é minimizar o sofrimento e proteger vítimas de guerras e de catástrofes naturais – e cujas operações são, em parte, financiadas por Estados e contribuintes individuais com esses objectivos em mente.

Desde que o jornal britânico The Times revelou, na semana passada, as denúncias de sexo por dinheiro no Haiti, não têm parado de sair mais informações sobre a Oxfam e, em particular, sobre Roland van Hauwermeiren.

Foi depois de ter lido essa notícia no Times que a sueca Amira Malik Miller se recordou do nome do belga. O caso aconteceu quando foi colocada na Libéria, em 2004, onde Van Hauwermeiren era director da Merlin (que viria a ser integrada em 2013 na Save the Children).

Miller contou à agência de notícias IRIN  que Roland van Hauwermeiren e outros três funcionários da Merlin organizavam orgias com mulheres liberianas nas duas residências pagas pela organização, e transportavam-nas em carros também pagos pela Merlin. O belga acabaria por sair da organização após uma investigação interna, mas Amira Malik Miller disse que ficou "abalada" quando soube que ele tinha continuado a trabalhar em organizações de ajuda humanitária.

"Ele dá a volta ao sistema, da Libéria ao Chade, ao Haiti e ao Bangladesh. Alguém deveria ter verificado isto devidamente", disse Miller, que hoje é funcionária do Governo sueco na ligação com organizações de ajuda humanitária.

E foi nessa condição que se deparou uma segunda vez com o nome de Roland van Hauwermeiren – em 2008, quando estava a ler o pedido de financiamento da Oxfam ao Governo sueco, reparou que o belga dirigia a organização britânica no Chade, e alertou os seus superiores. Mesmo assim, o programa da Oxfam recebeu 750 mil dólares para "trabalhar com mulheres nas suas comunidades para permitir que tenham um valor reconhecido na família mediante um capital social e financeiro acrescido" – um projecto que está também a ser marcado por denúncias de sexo com prostitutas quando Van Hauwermeiren era o seu líder.

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Loja da Oxfam em Londres Peter Nicholls/REUTERS

Os casos da Oxfam e da Merlin – principalmente a falta de punições que incluíssem alertas a outras organizações – podem trazer à superfície mais casos semelhantes. A francesa Action Against Hunger está a investigar Van Hauwermeiren, e o Governo britânico pediu a todas as organizações que recebem fundos públicos para fazerem o mesmo em relação a todas as suas missões humanitárias no estrangeiro, mas há algumas vozes preocupadas com o impacto desta má imagem nas acções no terreno.

Num editorial intitulado "Tempo para aprender, e não para destruir", o jornal britânico The Guardian diz que "não se deve permitir que esta crise ponha em causa gastos generosos em ajuda humanitária, tanto como uma obrigação moral como uma política pragmática" – uma referência à campanha de um sector mais nacionalista do Partido Conservador que tem aproveitado este caso para exigir o fim do financiamento público às organizações de ajuda humanitária.

“O caso da Oxfam envolve menos homens do que pode ser contado em duas mãos. Os esforços corajosos e dedicados dos seus milhares de funcionários salvaram milhões de vidas nas circunstâncias mais perigosas e exigentes. Eles e os seus pares em outras organizações merecem a melhor defesa. Isso significa honestidade e transparência, e uma verdadeira determinação para expulsar quem ameace a reputação deles.”

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