Gulbenkian perdeu 22% de património entre 2006 e 2016

A crise do subprime e a queda dos preços do petróleo marcaram uma década que se tornou amarga para a maior fundação portuguesa, que defende outra leitura dos números

Foto
A instituição presidida actualmente por Isabel Mota antecipa para 2017 um crescimento de 100 milhões de euros do seu património

A década de muitos riscos que se viveu entre 2006 e 2016 revelou-se amarga para a Fundação Calouste Gulbenkian. Nestes anos, perdeu 22 por cento do seu património em termos reais, segundo cálculos feitos pelo PÚBLICO a partir dos seus relatórios e contas anuais.

No ano de 2006, ponto de partida para esta análise, o fundo de capital situava-se em 2767 milhões de euros. Se se tivesse mantido este valor, actualizado apenas pela inflação, o fundo de capital deveria chegar a 3149 milhões de euros em 2016, mas ficou nos 2532 milhões, portanto, 22% por cento menos de património do que uma década antes, em termos reais.

A comparação permite também ver uma tendência consistente de queda anual do fundo de capital neste período, especialmente em 2008 e 2015, anos marcados pela crise do subprime, a queda das cotações e do petróleo. Por estes cálculos, em nenhum ano a fundação conseguiu recuperar património face a 2006. E 2014 é o único neste período em que se atenua visivelmente o ritmo de perda.

A fundação, contactada pelo PÚBLICO, contrapõe que o período escolhido não conta toda a história. “O ponto de partida de 2006 é um ponto anormalmente alto já que apanha um crescimento elevado da carteira que vai de 2002 a precisamente 2006”. Nestes quatro anos anteriores, acrescenta, o fundo de capital “passou de 2117 milhões de euros (a preços correntes) para 2767 milhões de euros”. Ao advogar que se alargue a análise a mais estes quatro anos, “o valor do fundo mantém-se sensivelmente inalterado”.

Sustenta também que uma parte da quebra se deveu a mudanças de critérios contabilísticos “que tiveram um efeito negativo meramente contabilístico de cerca de 100 milhões de euros. Ou seja, excluindo o efeito contabilístico, o fundo de capital subiu em termos reais desde 2002.”

Sendo o ano de 2016 o último com contas publicadas, a Fundação Gulbenkian, presidida actualmente por Isabel Mota, antecipa que em 2017 “o fundo de capital subiu significativamente”, apontando para cerca de 100 milhões de euros mais. Admite-se, assim, um ano de recuperação para a maior fundação portuguesa ligada desde sempre ao rendimento da actividade petrolífera e que se prepara para se divorciar dele, uma mudança radical desenhada ainda durante a anterior presidência, de Artur Santos Silva.

Dois presidentes, dois pontos

Tanto Santos Silva, que esteve à frente da Gulbenkian entre 2011 e 2016, como Rui Vilar, que o antecedeu, deixaram testemunhos de balanço dos factores externos que mais perturbaram a instituição nestes anos. O ponto comum que atravessou as duas presidências foi a crise do subprime e o seu contágio à economia mundial em 2008 e que afectou significativamente a carteira de activos financeiros da Gulbenkian.

A grande diferença entre ambos foi a posição em relação ao petróleo. Numa boa parte do texto de despedida que assinou no relatório e contas de 2016, Santos Silva viria a argumentar que o petróleo rendia menos que os activos financeiros, dando o tiro de partida para a venda da Partex. Nesse mesmo documento, invocava ainda factores com impacto negativo no património mas de menor escala, desde a adopção de critérios contabilísticos internacionais, a queda do petróleo a partir de 2014 até ao reconhecimento de imparidades nos investimentos petrolíferos no Brasil e no Cazaquistão.

Segundo Santos Silva, nos cinco anos do seu consulado, a carteira de activos financeiros tinha tido “um desempenho satisfatório”, com “um rendimento médio anual de 8,3%”, enquanto a Partex tivera “uma rentabilidade média anual negativa de 3,2%”, apesar de ter “atribuído à Fundação, durante o período, cerca de 300 milhões de euros em dividendos, cerca de metade dos quais pagos com a transferência de activos relacionados com energias renováveis”.

Em 2011, ao fim de 16 anos à frente da Gulbenkian, Rui Vilar reconhecia o “período de grande turbulência que obrigou a Fundação a experimentar variações significativas no valor de mercado dos seus activos e a repensar a sua intervenção face à radical alteração que o contexto social, político e cultural conheceu.” O mundo estava na ressaca da crise do subprime e começava o resgate financeiro da troika em Portugal. A prioridade de Vilar foi para a redução de custos fixos e de efectivos, poupança nos cursos operacionais e na melhoria das instalações de Londres e Paris, o que traduziu por uma “prática defensiva e anticíclica”.

No fio do tempo de 10 anos de relatórios e contas em análise verifica-se que as actividades petrolíferas deram mais retorno do que as aplicações financeiras, uma tendência mesmo visível sem o impacto da inflação, tendo representado 61% do conjunto dos dois retornos. O retorno petrolífero destes anos somou 1103,9 milhões de euros, enquanto o retorno financeiro foi de 694,9 milhões de euros, sendo que o activo petrolífero é inferior ao financeiro.

“Reafirmamos que nos últimos 10 anos, a rentabilidade da Partex tem um histórico de retorno em linha ou inferior ao que foi obtido com a carteira de investimentos”, responde a fundação que considera que o valor de “retorno petrolífero [no relatório e contas] corresponde à margem bruta das vendas antes de abater todos os restantes custos operacionais. Portanto, este número não reflecte o resultado obtido pelos negócios petrolíferos”.

Outros indicadores ilustram o desempenho desta instituição com dois museus, uma biblioteca, uma orquestra e um coro e um instituto de investigação científica, que tem como pilares estatutários a promoção da arte, da beneficência, da educação e da ciência. Nos seus primeiros anos de vida exportou até mais bens e serviços do que a Autoeuropa.

Entre 2006 e 2016 o seu passivo aumentou mais do que o activo, o que em termos reais equivaleu a uma perda de quase 500 milhões de euros em activos. Também gastou mais com custos administrativos e operacionais enquanto as verbas para as distribuições e actividades directas, que abrangem a actividade de beneficência, caíram. Em 2016, foram 11 milhões de euros menos que em 2006.

PÚBLICO -
Aumentar
Sugerir correcção
Ler 2 comentários