Um torneio com poucas "estrelas"

Começa a competição do hóquei no gelo em Pyeongchang 2018 sem qualquer jogador da NHL, considerada a melhor liga do mundo.

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Reuters/BRIAN SNYDER

O que aconteceria se, por qualquer razão (e tendo o hipotético poder de o fazer), a Premier League inglesa impedisse os jogadores que nela actuam de representarem as suas selecções no próximo Mundial? A Inglaterra, basicamente, ficava sem equipa, tal como a Bélgica, a França, e Espanha, Alemanha e mesmo Portugal perdiam algumas das suas figuras no Rússia 2018. Mesmo com todas as “lutas” entre os clubes e a FIFA por causa da cedência de jogadores às selecções, isto dificilmente acontecerá. Mas é exactamente isto que se passa no hóquei no gelo olímpico, em que a melhor liga do mundo, a norte-americana National Hockey League (NHL), impediu os jogadores de todas as nacionalidades de representarem os seus países nos Jogos de Pyeongchang.

Não é a primeira vez que acontece, mas já não sucedia desde Lillehammer 1994 e, desta vez, não houve acordo entre os patrões da NHL e o Comité Olímpico Internacional (COI) para deixar as maiores “estrelas” da modalidade entrarem no torneio olímpico. Na perspectiva da NHL, não houve incentivos suficientes para interromper a Liga, que está a meio da época regular, durante um par de semanas e para um torneio que não teria grande visibilidade nos EUA e Canadá, por causa do fuso horário coreano. Houve, inclusive, um acordo entre a NHL e a federação internacional da modalidade para que esta impedisse os países de convocarem sequer jogadores da principal liga da América do Norte.

Esta proibição vai em sentido contrário ao que a Liga Norte-Americana de Basquetebol profissional (NBA) tem feito nas últimas décadas, dando liberdade de escolha aos jogadores no que diz respeito aos Jogos Olímpicos. E a partir do momento em que abriu a porta aos profissionais com o “Dream Team” de Barcelona 92, a NBA ganhou uma projecção internacional que não tem parado de crescer e não tem paralelo com as outras ligas profissionais dos EUA. Olhe-se para o exemplo da Major League Baseball, que também tem por hábito ignorar o beisebol olímpico. É uma liga com apelo internacional relativamente limitado e os EUA, que consideram o beisebol como o seu desporto nacional, apenas têm um título olímpico em cinco possíveis.

Com esta restrição, todas as selecções (menos a da Coreia do Sul, que tem seis canadianos e um norte-americano naturalizados, todos a jogarem na Coreia) sofrem com a ausência dos seus melhores jogadores e não é coisa pouca. Nos Jogos de Sochi, há quatro anos, 148 dos 300 jogadores eram da NHL, incluindo a totalidade das selecções dos EUA e do Canadá, 24 em 25 da Suécia, 18 em 25 da República Checa e 17 em 25 da Rússia.

Sete dos 25 jogadores do Team USA jogam na América do Norte, sendo que quatro deles foram recrutados na NCAA (campeonato universitário) e os outros três jogam numa espécie de campeonato de reservas nos EUA. Há ainda um que não tem equipa, e há outros, quase todos com experiência de NHL, que estão espalhados pelo mundo — Rússia, Suécia, Finlândia, Suíça, República Checa e Alemanha. Nestas condições, dificilmente os EUA poderão aspirar a uma posição de pódio, muito menos chegar a um título que já não conquistam desde Lake Placid 1980 (e alcançaram-no com uma equipa de amadores frente à poderosa União Soviética, mas isso não vai acontecer outra vez).

Sem EUA e Canadá (que é o detentor do título) na sua máxima força, é bem provável que o ouro olímpico volte a ser europeu e que vá para a equipa que, ainda assim, sofreu menos com o boicote da NHL, os “Atletas Olímpicos da Rússia” (e não Rússia, por causa das sanções do COI respeitantes ao doping). Todos os jogadores são da Kontinental Hockey League (KHL), considerada a segunda melhor liga do mundo e que inclui, para além de equipas russas, formações de outras antigas repúblicas soviéticas e uma chinesa — a KHL é, aliás, a liga mais representada no torneio olímpico, com 92 dos 300 jogadores, distribuídos por dez das 12 selecções.

“Os Jogos Olímpicos estão no meu sangue e todos sabem que eu amo o meu país”, dizia em Abril passado, depois de decidido o boicote, Alexander Ovechkin, jogador dos Washington Capitals e considerado um dos melhores de sempre da NHL, ele que já foi tricampeão mundial com a Rússia. “Nunca na minha carreira tive de escolher entre o meu país e a minha equipa”, lamentava aquele que já foi por seis vezes o melhor marcador da NHL, mas que vai ter de ver o torneio olímpico pela televisão.

Daqui a quatro anos, no entanto, é provável que a NHL reverta esta posição para os Jogos de 2022. Vão ser em Pequim e o mercado chinês é muito apetecível.

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