Os novos media e os direitos dos cidadãos

Impõe-se ao poder político uma iniciativa legislativa que corrija a atividade ilegal de alguns sites.

Basta percorrer uma rede social como o Facebook para encontrar uma diversidade de conteúdos, alguns deles enquadrados em sites classificáveis como órgãos de comunicação social. Fruto das profundas mudanças tecnológicas e da forma como esses conteúdos são concebidos, distribuídos e consumidos, estes novos media evidenciam de facto características próprias de um órgão de comunicação social: produzem, agregam e difundem conteúdos de media; tais conteúdos estão sujeitos a tratamento editorial; são organizados como um todo coerente; são meios de comunicação que assumem a intenção de atuar como media, de conseguir uma dimensão de comunicação de massa, devendo por isso sujeitar-se ao cumprimento dos deveres ético-legais inerentes à atividade jornalística; constituem um serviço financiado, entre outras possibilidades, pelos anunciantes ou pelos seus utilizadores, concorrendo com os media tradicionais; pressupõem uma estrutura e uma organização, assegurando os seus serviços com uma continuidade no tempo.

Estas características comuns, elencadas numa recomendação de 2011 do Conselho da Europa, concretizam uma redefinição do conceito de órgão de comunicação social e, em paralelo, das fronteiras da regulação, que abrange também estes novos media.

É indiscutível que a participação destes órgãos de comunicação social no espaço público enriquece o pluralismo informativo e o próprio regime democrático, mesmo que ela constitua um novo desafio para os media tradicionais, sujeitos a novos concorrentes, a novas redes, canais e formas de distribuição de informação e a novos modelos de consumo. Acresce que o mero acesso à atividade não constitui para os novos media uma dificuldade acrescida, bastando um mero registo, idêntico ao das publicações periódicas, bem longe do regime de licenciamento por concurso ou de autorização dos operadores tradicionais de rádio e de televisão.

No entanto, a realidade dos novos media é bem mais complexa. Voltando ao Facebook: percorrendo esta rede social, muitos dos sites informativos localizados em Portugal, que aí são reproduzidos ou linkados, são claramente classificáveis como órgãos de comunicação social, de acordo com os critérios do Conselho da Europa acima enunciados. Todavia, não cumprem outras obrigações elementares: não estão registados na ERC; não validaram o título da publicação; não têm estatuto editorial; não indicam a que empresa pertencem, onde está localizada a sua sede social nem quais são os seus principais acionistas e os seus gestores; não indicam o nome do diretor ou de qualquer outro responsável. Aliás, em geral, a este incumprimento da legislação da comunicação social em vigor acrescem, demasiadas vezes, uma evidente falta de rigor informativo e uma clara tendência para o sensacionalismo, porventura considerados como indispensáveis para aumentar o número de visualizações e, consequentemente, as receitas desse site.

Esta situação é inaceitável. Esses sites — resisto a chamar-lhes órgãos de comunicação social... — procuram combinar o melhor de dois mundos: têm a aparência, o espaço e o acesso aos consumidores que lhes permite angariar os proveitos necessários para o seu desenvolvimento, mas esquivam-se, sem qualquer consequência, das obrigações inerentes a um órgão de comunicação social; beneficiam da liberdade de expressão, mas recusam os direitos dos cidadãos à informação, que incluem, entre outras, normas indiscutíveis que impõem a transparência da propriedade e da orientação dos media.

Pode questionar-se se a Lei de Imprensa e própria lei que regulamenta a atividade da ERC incluem normas que permitirão sancionar a atividade ilegal destes sites e corrigir o défice de informação prestada desde logo aos consumidores. No entanto, sobretudo no que respeita à Lei de Imprensa, essa legislação foi concebida num quadro mediático bem diferente, pelo que se impõe ao poder político uma iniciativa legislativa que corrija esta situação, altamente lesiva para a indústria dos media e, sobretudo, para o direito dos cidadãos à informação, mediante uma lei que redefina o conceito de órgão de comunicação social, regulamente a atividade multimédia e abranja os novos processos de comunicação.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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