Quase 10% das refeições servidas nas universidades são vegetarianas

Escolas, universidades, hospitais... Como está a ser aplicada a lei que impõe uma opção vegetariana nas cantinas públicas? Cerca de 14% dos pratos servidos nos 30 refeitórios do Serviço de Utilização Comum dos Hospitais são livres de carne e peixe.

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Miguel Manso

Um terço. Foi esta a proporção de pratos vegetarianos no total de refeições servidas nas cantinas da Universidade Nova de Lisboa, no ano passado. Nenhuma outra universidade se aproximou deste valor: na de Trás-os-Montes e Alto Douro, quase 16% das refeições foram vegetarianas, assim como cerca de 10% na do Porto — e é precisamente esta a média nacional de refeições vegetarianas servidas nas cantinas universitárias públicas.

Terminou em Dezembro o período de seis meses que as entidades gestoras tinham para se adaptar à legislação que obriga todas as cantinas e refeitórios públicos a terem pelo menos uma opção vegetariana. Onde se aplica? Nas unidades do Serviço Nacional de Saúde, lares e centros de dia, escolas de ensino básico e secundário, estabelecimentos de ensino superior, estabelecimentos prisionais e tutelares educativos e serviços sociais, detalha a lei.

No ensino superior, a prática está consolidada. De acordo com os dados enviados ao PÚBLICO por 11 das 12 universidades públicas do país, quase 10% das refeições servidas são vegetarianas. Em valores absolutos, isto significa que das 13.334 refeições diárias, em média, 1475 são vegetarianas.

Uma parte das universidades já disponibiliza esta opção há vários anos. Como é o caso da Nova de Lisboa (há 12 anos), do Porto (dez) e da Madeira (sete). No entanto, nem sempre as opções respondem às regras previstas na lei que as definem como “refeições que não contenham quaisquer produtos de origem animal”. Na Universidade do Minho, por exemplo, as opções são ovolactovegetarianas — que utilizam ovos, leite e derivados. O mesmo acontecia em Coimbra que, desde Junho (quando a legislação entrou em vigor), passou a disponibilizar duas possibilidades de escolha: ovolactovegetariana e estritamente vegetariana.

Nem sempre a escolha de um prato vegetariano reflecte um estilo de vida. É o caso de Beatriz Guerra e Catarina Costa, de 19 anos, alunas da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Ontem optaram pelo arroz de açafrão com tofu por lhes permitir um escape “à comida do costume”. Ambas consideram que a opção vegetariana, por ser concessionada em menos quantidade, costuma “ser mais saborosa”. E a variedade da ementa possibilitou que Catarina tivesse experimentado pela primeira vez alguns dos substitutos da carne, que “nunca comeria em casa”.

É também esta cantina que permite a Maria Branco, de 18 anos, ser vegetariana a part-time. “Apesar de querer ser, não posso ser vegetariana em casa, senão ficava sem comer ao jantar”, diz a estudante de Estudos Portugueses. Os pais não aderem a esta mudança na alimentação. O prato, “claro, podia ser melhor”, se houvesse “mais preocupação nas quantidades de proteína” que cada dose tem, acredita.

“Várias denúncias”

A cinco minutos de distância, na Faculdade de Ciências, a tarefa de encontrar um prato vegetariano nas mesas corridas da cantina é mais difícil. Ana Carvalho, vegetariana, opta por levar a refeição de casa, preferindo-a às almôndegas de soja que fazem parte da ementa.

Nas escolas básicas e secundárias, a escolha é mais residual. As refeições vegetarianas não chegam a 1% das cerca de 270 mil que as empresas ICA e Uniself servem diariamente em mais de mil estabelecimentos de ensino públicos e privados. A título de exemplo: por escola, a Uniself serve apenas três pratos vegetarianos, em média. E é nas públicas, onde os alunos têm que dizer no início do ano lectivo se querem esta opção, que se concentram as queixas. A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), para onde devem ser comunicadas as infracções à lei, recebeu desde Junho seis reclamações, entretanto reencaminhadas para a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares. Já à Associação Vegetariana Portuguesa (AVP) têm chegado “várias denúncias” de encarregados de educação e alunos que viram recusada a opção vegetariana.

Há diferentes motivos de queixa, diz o presidente Nuno Alvim: “Há quem aponte o desconhecimento de quem prepara a refeição. Às vezes são as empresas contratadas que não podem fornecer a refeição porque não está previsto no contrato. Também acontece dizerem que é necessário um parecer de um nutricionista, o que não é o caso, porque a lei não o prevê.”

O “desconhecimento da lei e da filosofia vegetariana” é paradigmático, sublinha. Por isso, a AVP tem em curso, desde Janeiro, uma campanha em duas frentes. Por um lado, informação dos cidadãos. Por outro, formação de cozinheiros de cantinas e empresas fornecedoras, com “aulas práticas” incluídas. A intenção é mostrar que “ajustar a logística para a dieta vegetariana não é nem mais trabalhosa nem mais cara do que as refeições ditas tradicionais.”

Nos hospitais, os dados são escassos. Ao todo, o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH) é responsável pelas refeições em cerca de 30 refeitórios (que não detalha), onde 14% das refeições são vegetarianas. Segundo informação disponível no Portal Base, destinado à publicação de contratos públicos, o SUCH é responsável, entre outros, pelas refeições servidas nos hospitais de Faro, Portimão e Lagos.

Já a Eurest, que serve refeições em empresas, escolas e hospitais, recusou responder, considerando, em resposta telefónica, que “neste momento não é oportuno”. O PÚBLICO tentou obter respostas das empresas de restauração Itau e Gertal, da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e dos serviços sociais da Universidade de Lisboa, sem sucesso. 

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