A coragem de Adolfo Mesquita Nunes

Ninguém venha dizer que Adolfo Mesquita Nunes não teve coragem na entrevista que deu ao Expresso. É evidente que teve coragem, e muita.

Portugal deve ser o país com maior distância entre as políticas progressistas no que diz respeito aos direitos dos homossexuais, onde estamos entre os países mais avançados do mundo, e o número de políticos que se assumem como homossexuais no espaço público, onde estamos entre os mais atrasados da Europa. Esta distância entre o progresso legislativo e a falta de visibilidade pública pode ser sintoma de muitas coisas, mas entre elas está certamente a falta de coragem para sair do armário e o receio de que essa saída possa ter efeitos negativos nas suas vidas e nas suas carreiras. Os gays portugueses podem casar; os casais gays podem adoptar; mas a esmagadora maioria dos políticos gays continua a não querer falar no assunto.

Na minha terrível opinião de homem branco, heterossexual e cisgénero, os políticos gays que permanecem no armário não só estão, com alta probabilidade, a mentir a si próprios recorrendo ao argumento da protecção da vida privada – sempre muito útil para não explicar nada e mexer em coisa nenhuma –, como estão a perder uma excelente oportunidade de se apresentarem como um exemplo para os milhares de adolescentes e jovens adultos que por esse país fora ainda se debatem diariamente com o reconhecimento da sua homossexualidade, e com a melhor forma de a assumirem perante os seus familiares e os seus amigos. Se a lista das pessoas com quem dormimos faz certamente parte da vida privada de cada um, é uma pena que tantos políticos gays continuem a considerar a orientação sexual uma questão do foro privado, quando é algo absolutamente estruturante e definidor daquilo que cada um de nós é enquanto indivíduo.

Por isso, ninguém venha dizer que Adolfo Mesquita Nunes não teve coragem na entrevista que deu ao Expresso. É evidente que teve coragem, e muita. E é evidente também que a conversa sobre a sua orientação sexual não surge por acaso e foi com certeza longamente meditada. Quando Mesquita Nunes diz que não falou do assunto antes porque só agora deu uma entrevista de vida, eu estou capaz de apostar que foi ao contrário: só agora deu uma entrevista de vida porque nunca quis falar do assunto antes. Sim, é verdade que todos os jornalistas de política conheciam a sua orientação sexual, tal como conhecem muitos outros políticos homossexuais que não se assumem. Mas, neste aspecto, só fica bem ao país e ao jornalismo não andar a forçar as saídas do armário.

É curioso, aliás, que Adolfo Mesquita Nunes tenha mostrado o seu espanto por os jornalistas não se terem referido ao assunto quando o próprio falou dele em Setembro, num discurso de campanha para as autárquicas, após um dos seus cartazes na Covilhã ter sido pichado com a palavra “gay”. “Não supus que os jornalistas não estivessem a prestar atenção”, disse ele. Na verdade, os jornalistas até podem ter prestado atenção, mas como em nenhum lugar do discurso Adolfo Mesquita Nunes afirmou “eu sou gay”, nenhum jornalista se atreveu a escrever “ele é gay”. O imenso cuidado com as palavras de uns e de outros pode ser visto de duas formas, não necessariamente exclusivas: 1) respeito pela intimidade do político; 2) cultura partilhada de silêncio em relação a esta matéria. A forma 1 é óptima, a forma 2 tem efeitos péssimos, mas essa cultura só pode ser mudada pelos próprios políticos. Graça Fonseca e Adolfo Mesquita Nunes deram o primeiro passo, e merecem ser saudados pela sua coragem – até ao dia em que já não for preciso ser corajoso.

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