A arquitectura é uma cultura visual?

Uma conferência no MAAT quis pôr os arquitectos a reflectir sobre o som produzido pelo espaço que desenham.

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Elisabeth Diller Sebastião Almeida

Há um auditório que permite falar de qualquer ponto sem amplificação, um candeeiro de tecto que esconde elementos de acústica, um laboratório especial de arquitectura sónica, uma igreja em que o som dos materiais nos atira para o transcendente. Estas são experiências contemporâneas, mas na conferência sobre arquitectura, arte e som que esta segunda-feira teve lugar no Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) também se citou a acústica do teatro do Epidauro ou o som especial da sala em que Haydn tocava.

Já tinham falado engenheiros de som, críticos de arquitectura e arquitectos especializados em som, mas eis que ao final da manhã chega Elisabeth Diller, fundadora do atelier Diller Scofidio + Renfro de Nova Iorque, provavelmente a figura mais esperada, e o retrato passou a ser mais realista: “Eu não sou uma especialista em som. Sou uma espécie de impostora.”

Elisabeth Diller, autora de obras como o High Line em Nova Iorque, o parque urbano instalado numa linha de comboio elevada e inaugurado em 2009, aceitou “o desafio” de pensar sobre assunto, disse à audiência que enchia o auditório, mas que não esperassem milagres. A primeira vez em que no atelier pensaram sobre o assunto foi quando fizeram o Blur Building (2002), alimentado por um sistema especial de bombagem e dispersão de água, capaz de criar o efeito de uma nuvem. “Decidimos fazer um edifício de atmosfera. Não havia nada para ver. A nossa cultura está tão baseada na alta definição.” A arquitecta, que faz várias incursões nas artes visuais, mostrou uma performance de 2003 em que um berbequim robotizado perfurou durante quatro meses uma parede retirada do MoMA (Museu of Modern Art) e instalada no Whitney Museum of American Art. A ideia era reflectir sobre o isolamento visual e acústico que as paredes brancas produzem num museu.

Sobre o imprevisível sucesso do High Line, que foi pensado para ter 40 mil visitantes por ano e já chegou aos sete milhões, a arquitecta decidiu produzir uma ópera, que vai estrear-se para o ano no próprio parque. Com o compositor David Long e o sound designer Bruce Odland, Mile Long Opera vai questionar a gentrificação que o parque nova-iorquino provocou na área do Meatpacking District, zona que antes de 2009 era habitada por transexuais e guardava armazéns frigoríficos de carne. Actualmente, explicou, os terrenos atingiram o preço mais alto por metro quadrado em Nova Iorque. A ópera partiu da história de uma antiga residente da West 20th Street, constantemente incomodada no seu apartamento pelos olhares dos transeuntes que passeiam no High Line. Um dia, esta mulher improvisou um recital, chamou-lhe Cabaret Renegado, e devolveu a Nova Iorque um protesto, cantado noite após noite.

Auditórios que coram

Seguidamente, Elisabeth Diller falou da reconversão do Alice Tully Hall do Lincoln Center como a história de uma obsessão. O objectivo era que o auditório melhorasse as suas condições acústicas, conseguindo ao mesmo tempo retirar todo o barulho visual da antiga sala de concertos. Era preciso escolher um material que casasse bem com a madeira e fosse capaz de reflectir a luz: “A madeira não reflecte a luz facilmente e nós queríamos que o auditório corasse, como se fosse um ser humano.” O problema, contou a arquitecta, é que o material compósito escolhido, uma resina translúcida, não gostava da forma a que tinha que se adaptar e partia-se vezes sem conta. Várias tentativas depois e muitas discussões, o auditório ficou mesmo com um “defeito” estético — como se fosse um nariz sem a ponta —, porque se construiu “entre as ambições do arquitecto e as necessidades do som”. Ainda hoje, Elisabeth Diller olha contrariada para esse pormenor.

Actualmente, o atelier Diller Scofidio + Renfro está a desenhar uma nova sala de concertos para o famoso maestro Simon Rattle e para a London Symphony Orchestra, num projecto de 259 milhões de libras. O maestro, sublinha Elisabeth Diller, esteve anos à frente da Filarmónica de Berlim, dirigindo na emblemática sala desenhada pelo arquitecto Hans Scharoun, “considerado o auditório favorito” dos músicos. “Há muita pressão sobre nós para fazer o melhor som de orquestra… Temos várias coisas para pensar. Onde fica exactamente o maestro? Como se faz um edifício perfeito para a música e quem sabe como vão ser os concertos nos próximos anos?”

O problema de flexibilidade serviu para introduzir o Shed, um centro cultural que propõe poder crescer para o espaço público através de uma cobertura extensível que se move sobre rodas. Esta arquitectura semi-móvel, ainda em construção, serviu para introduzir a última pergunta: “Como é que se faz um espaço para os novos compositores? Como é que se projecta o futuro?”

Voltamos ao início da manhã, à introdução do director do MAAT, Pedro Gadanho, que apresentou a conferência organizada pelo museu e pela plataforma reSITE como a primeira a ser feita especificamente sobre som e espaço: “A arquitectura tende a ser considerada uma cultura visual, mas é muito mais do que isso. É uma experiência táctil, dos sentidos, e tendemos a esquecer que o som é importante, pelo conforto que empresta ao espaço.”

Depois, foi a vez do primeiro conferencista, Michael Kimmelman, crítico de arquitectura do New York Times, também pianista, numa comunicação intitulada, Dear Architects: Sound Matters, que partiu de uma reflexão que escreveu no jornal em 2015. Foi ele que falou da pequena igreja de Peter Zumthor na Suíça, onde o barulho da chuva a bater no chão, que entra por um buraco no topo, faz parte do projecto de arquitectura. “Na Gulbenkian, por exemplo, a função do espaço está relacionada com o som que ouvimos. A intimidade da acústica está de acordo com a colecção.”

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