Deputados do PS pedem mais dinheiro ao Governo para a habitação

Grupo parlamentar faz várias propostas a António Costa, como a melhoria das condições de habitação no mundo rural e nas zonas ameaçadas de desertificação.

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Relatório sugere o aumento do peso da habitação com apoio público de 2% para 5% FÁBIO AUGUSTO

O grupo parlamentar do Partido Socialista (GPPS) pede ao Governo que “defina com clareza o que significa ‘habitação com apoio público’” e que reforce os meios financeiros necessários ao cumprimento das metas essenciais da Nova Geração de Política de Habitação (NGPA), um pacote de medidas apresentadas pela secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, e aprovadas pelo executivo.

Propõe expressamente o GPPS “que haja uma tradução orçamental adequada ao cumprimento destas metas nos próximos orçamentos do Estado, uma vez que o OE 2018 não as incorpora, apresentando para a área da habitação valores incompatíveis com esta ambição”. Ainda a este propósito, é sugerido que “se mobilizem mais meios e recursos financeiros disponibilizados no quadro da Agenda Urbana Europeia, nomeadamente na promoção pública do arrendamento acessível e na melhoria da qualidade da habitação e do “habitat”. E que se reveja o foco dos apoios públicos, dos incentivos fiscais ao crédito para habitação, para uma aposta maior no realojamento.

As recomendações, a que se juntam outras, surgem no âmbito da iniciativa “Política de habitação — dar voz aos cidadãos” — que o grupo do PS levou a cabo entre 16 de Novembro e 16 de Dezembro de 2017 e que pretendeu uma maior participação pública no debater das novas políticas de habitação. A iniciativa, paralela à consulta pública do pacote de medidas do Governo, pretendeu “ouvir os cidadãos”, mas também “mobilizar o PS e os autarcas” para a discussão daquelas matérias, refere o relatório final, a que o PÚBLICO teve acesso. Foi ainda promovido um inquérito, realizado através da Internet ou por escrito, que reuniu 2043 respostas.

A deputada Helena Roseta, também coordenadora do grupo de trabalho Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades, no Parlamento, redigiu o relatório final, que refere que o GPPS apoia “as metas de médio prazo (oito anos) e saúda as linhas gerais da estratégia contida na NGPH. Resumidamente, as principais metas são o aumento do peso da habitação com apoio público de 2% para 5%, o que representa um acréscimo de cerca 170 mil fogos, e a redução do peso das despesas com habitação no arrendamento de 35% para 27%.

Especificamente em relação aos diversos programas incluídos na NGPH, olhando para os resultados desta consulta pública (pouco entusiásticos com apoios fiscais), os deputados do PS deixam uma indicação para uma mudança de política: que o dinheiro público seja menos dirigido ao crédito à habitação e mais para realojamento. “Entre 1987 e 2011, 73% dos apoios públicos destinaram-se a bonificações de juros no crédito à habitação, ficando os restantes 27% para os programas de realojamento, apoio ao arrendamento e reabilitação. No OE 2018, a verba para bonificação de juros aumentou face ao ano anterior, o que é sintomático de efeitos financeiros a longo prazo de políticas decididas décadas atrás, que já não correspondem nem ao contexto nem às prioridades actuais”, pode ler-se no documento.

De resto, com base em vários contributos recebidos, os deputados socialistas recomendam ao Governo de António Costa que “sejam criados programas específicos para a melhoria das condições de habitação no mundo rural e nas zonas ameaçadas de desertificação”. E que “sejam previstos programas ou medidas de incentivo às cooperativas de habitação, nomeadamente para autoconstrução e autoqualificação apoiada”. Para melhor conhecimento da realidade nacional, entendem que “deve ser feito um levantamento nacional e geral, actualizável, não apenas dos imóveis devolutos do Estado, como se prevê no Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, mas também dos devolutos privados”.

Com as propostas, 11 no total, que tocam ainda aspectos relativos à articulação das medidas a nível municipal, ou mesmo de sustentabilidade ambiental, os deputados defendem que “a NGPH deve representar uma viragem na política pública de habitação, contribuindo para dar cumprimento ao artigo 65.º da Constituição da República e garantindo, tal como aprovado pela Nova Agenda Urbana das Nações Unidas, que também em Portugal “ninguém fique para trás”.

O relatório destaca que os resultados da iniciativa “Política de habitação — dar voz aos cidadãos” devem “ter consequências na elaboração do projecto de lei de bases da habitação, com o qual o GPPS se comprometeu”. E acrescenta que “o projecto de lei de bases da habitação deve ser submetido a debate público com participação activa do GPPS”. 

O dossier da habitação é dos mais sensíveis da actual legislatura. Já envolveu uma mudança de pasta no Governo, com a criação de uma secretaria de Estado. E tem a braços um desentendimento entre socialistas e o próprio Governo sobre um ponto quente da actualidade: o de como regular o mercado de arrendamento local temporário — um caso que ficou de fora deste estudo e das próprias recomendações dos socialistas.

A voz aos cidadãos

O inquérito era constituído por 20 afirmações, repartidas por quatro grupos e com quatro opções de resposta. A título de exemplo, no primeiro grupo, sobre direito à habitação, a questão que reuniu maior concordância foi a 1.ª, segundo a qual, “aumentar o número de habitações sociais é uma responsabilidade do Estado e dos municípios”. A questão 2, que atribuía essa responsabilidade exclusiva aos municípios, foi a que recebeu maior discordância. 
O inquérito tinha ainda um campo para opinião, onde foram escritos 423 comentários e identificadas 390 propostas. Da avaliação das propostas, mais de metade (52%) situaram-se na área da regulação da oferta e da procura, percentagem que Helena Roseta considera “uma surpresa”. Neste domínio, cabe a legislação sobre arrendamento, quota obrigatória de habitação acessível em processo de urbanização ou reabilitação, penalização da especulação imobiliária, entre outros.

As sugestões relativas à promoção directa, na vertente da procura (a realizar por exemplo através de programas públicos de realojamento ou de reabilitação dirigidos a moradores), representaram 18%. No domínio fiscal, as sugestões dirigidas à oferta e à procura, como benefícios fiscais à dedução de rendas por parte de inquilinos ou redução de IRS, IRC e IMI para senhorios, ascenderam a 15%. Os apoios ao financiamento, como cooperativas de habitação, subsídio de renda, ou à reabilitação de casa própria, agregaram os restantes 15%.

O documento final da NGPH, com os contributos (366) da consulta pública, não é conhecido. Na sua base estão propostas novas, bem como a articulação de já existentes, que serão readaptadas, e que colocam uma maior tónica na reabilitação (que se pretende que se torne regra) e no arrendamento, definindo vários tipos de renda, com o objectivo de que este seja um mercado acessível a todos. São oito programas distintos que visam reforçar o papel central da habitação e da reabilitação para “a melhoria da qualidade de vida das populações”, para “a revitalização e competitividade das cidades” e para “a coesão social e territorial”. 

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