O criador de Sete Palmos de Terra tem uma série sobre o aqui e agora

Alan Ball volta à mesma HBO para a qual criou a mítica série do início dos anos 2000 e True Blood com Here and Now. E também envolve uma família, melancolia e uma possível corrente sobrenatural, com Holly Hunter e Tim Robbins como pais com três filhos adoptivos e uma filha biológica em Portland, no Oregon.

Tim Robbins e Holly Hunter em <i>Here and Now</i>, a nova série de Alan Ball
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Tim Robbins e Holly Hunter em Here and Now, a nova série de Alan Ball DR
Uma família muçulmana com uma criança <i>gender fluid</i>
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Uma família muçulmana com uma criança gender fluid DR

Depois de Sete Palmos de Terra, uma das séries essenciais e pioneiras da chamada idade de ouro da televisão norte-americana, é natural que uma nova criação de Alan Ball desperte muita atenção. Especialmente se, depois de True Blood — onde o argumentista explorou vampiros, e Banshee, em que era só produtor executivo, onde olhou para o mundo do crime de uma pequena cidade —, Ball regresse àquilo que lhe deu fama: a exploração de uma família, algo que já fazia antes sequer de criar séries de televisão, tendo um Óscar pelo guião de Beleza Americana. É isso que acontece em Here and Now.

A série estreia-se em Portugal via TVSéries na mesma noite em que arranca na HBO, ou seja, neste domingo às duas da manhã, com repetição às segundas-feiras no horário das 22h45. Passada numa Portland, Oregon, que é diferente daquela que vemos tanto no programa de sketches Portlandia quanto nos filmes de Gus van Sant, centra-se na família Bishop. Os pais são Audrey (Holly Hunter), que tem uma ONG cujo objectivo é fomentar a empatia, e Greg (Tim Robbins), um filósofo deprimido, e adoptaram três filhos multiculturais. Ashley (Jerrika Hinton) — que tem um site de venda de roupa — veio da Libéria, Duc (Raymond Lee) — um life coach — veio do Vietname e Ramon (Daniel Zovatto) — que está a aprender a criar videojogos — é da Colômbia. Além deles, também tiveram uma filha biológica, a ainda estudante de liceu Kristen (Sosie Bacon, cujo rosto e apelido não enganam: é filha de Kyra Sedgwick e Kevin Bacon).

Tudo nesta série, e não só o nome, remete para uma história passada aqui e agora. O mundo pós-Trump — sem este ser mencionado pelo menos nos primeiros quatro episódios que foram mostrados à imprensa —, questões identitárias e discriminação estão em cada esquina, por vezes de uma forma um pouco atabalhoada e até forçada, mesmo que as boas intenções estejam sempre à vista.

Também existe, tal como em Foge, de Jordan Peele, uma bem-vinda examinação de um certo tipo de liberal norte-americano ultraprogressista com muitos pontos fracos. Nesse campo, recorrer a Tim Robbins e Holly Hunter, duas caras icónicas de Hollywood conhecidas por projectos que puxam desse tipo de galões, e à filha de Kevin Bacon e Kyra Segwick é meio caminho andado, tal como o filme de Peele usava Bradley Whitford e Catherine Keener. Duc até diz, em dada altura no primeiro episódio, que crescer numa casa tão multicultural até teria sido engraçado se as crianças não tivessem sido usadas como “publicidade para o quão progressistas e evoluídos os nossos pais eram”.

Como é uma criação de Ball, que mesmo quando está desajeitado continua a saber escrever, há aqui, além do drama familiar, uma componente que poderá ou não ser sobrenatural e vai dando um ar da sua graça. No primeiro episódio, que lida com a festa de 60 anos de Greg, em que este explica aos convidados que mudou do optimismo para o desespero, Ramon arranja um novo namorado e começa a ver os números “11 11” em vários sítios. Isso leva a família a achar que este poderá sofrer de problemas mentais. Começa assim a frequentar um psiquiatra (interpretado por Peter Macdissi, que é parceiro do criador na vida real) ao qual a sua família está ligada de formas inesperadas. É uma ligação mais profunda do que o facto de o psiquiatra, que é de origem muçulmana — apesar de a mulher ser mais religiosa do que ele —, ter em casa uma criança cujo género é fluido e é colega de liceu de Kristen.

A família do psiquiatra ajuda a tratar temas actuais sobre género e islamofobia a partir de uma perspectiva que não é só a de Ball, um homem branco, já que a série tem uma equipa diversa de argumentistas. Há discussões sobre o uso de hijab — que tanto a sua esposa quanto a sua criança adolescente gostam de envergar — que são mais multidimensionais do que o habitual.

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