O coleccionador de telefones que acabou por criar um museu

Agostinho Pinto tem dezenas de telefones de várias épocas e outras dezenas de peças com eles relacionados. E mostra-os com gosto a quem lhe bate à porta de casa, em Sarrazola, Cacia.

Foto
Adriano Miranda

Agostinho Pinto é, acima de tudo, um apaixonado por telefones e conhece a sua história como muito poucos. E consegue contá-la com todo o pormenor e vivacidade. Ou não fosse ele detentor de uma colecção que reúne dezenas de telefones, de várias épocas, e outras dezenas de peças com eles associados. Mais do que um simples coleccionador, este antigo consultor da Portugal Telecom (PT) é dono de um museu particular, que vai abrindo as portas a visitas escolares — e não só — e onde concentra verdadeiras relíquias. Aos 65 anos, continua a não dar o trabalho por terminado, insistindo nas visitas a feiras de velharias e antiquários. E a resistir às propostas que lhe são lançadas para aquisição e deslocalização do seu pequeno museu.

“Já me fizeram duas OPA [Ofertas Públicas de Aquisição]”, garante-nos, sem especificar quais as entidades que tentaram “comprar” o material expositivo que concentra no primeiro andar de um imóvel situado numa rua estreita de Sarrazola, uma pequena localidade da freguesia de Cacia, município de Aveiro.  Era o antigo celeiro da “ti Deolinda”, sogra de Agostinho Pinto, e no que depender da vontade deste reformado da antiga Portugal Telecom continuará a ser o Museu dos Telefones. “Porque é que um atractivo que está em Sarrazola há-de ter menos importância do que um que está no centro da cidade de Aveiro?”, questiona, em jeito de resposta a quem se aventura a alvitrar a deslocalização do museu.

Foi em 1971, precisamente no ano em que iniciava a sua carreira no mundo dos telefones — nesta altura, ainda nos CTT, empresa que explorava o serviço telefónico fora de Lisboa e Porto —, que Agostinho Pinto começou a criar a sua colecção pessoal. “Estava a fazer o estágio em Lisboa e comprei um telefone de manivela um a um casal. Custou-me 150 escudos, na altura”, recorda, a propósito do início da aventura que nunca mais parou. “Percebi que havia muitos aparelhos e peças que iam acabar por perder-se e decidi começar a guardá-los para um dia mostrar aos mais novos”, enquadra. E assim tem sido desde Novembro de 2006, altura em que inaugurou o seu museu particular.

Foto
A caneta que Agostinho usava para escrever os aerogramas que enviava de Angola Adriano Miranda

Miúdos e graúdos têm-se deliciado com a viagem ao passado do mundo das telecomunicações, em especial os primeiros que, na grande maioria, “nunca tinham visto um telefone com um marcador de disco” ou um “credifone”, exemplifica o antigo consultor de telecomunicações. Isto para já nem falar do início dos inícios, os telefones a manivela. Agostinho Pinto guarda vários, mas há duas relíquias em particular que gosta de mostrar aos visitantes: o telefone de parede Lars Magnus E tipo AB 230, de 1882 (a peça mais antiga do museu), e o telefone de mesa Ericsson AC 110, de 1892. “Está aqui uma história de três séculos, a época do manual, do automático e do digital”, frisa, perante todas aquelas estantes carregadas de telefones. E não só. Também guarda vários aparelhos de telex e de fax, cartazes, relógios, isoladores [peças que se usavam para proteger o fio cobre nos postes] de porcelana fabricados pela Vista Alegre e centrais telefónicas (também chamadas de PBX). A sua última aquisição foi, precisamente, uma central telefónica Strowger, a partir da qual decidiu recriar o famoso “Telefone Vermelho” — linha directa de comunicação entre os governantes dos Estados Unidos da América e da União Soviética durante a Guerra Fria —, para colocar “os miúdos a simular uma chamada entre a Casa Branca e o Kremlin”, explica.

Um curioso, acima de tudo

Agostinho Pinto recusa o título de “especialista” na história dos telefones e telecomunicações em geral, confessando-se apenas “um curioso”, alguém que “vai à procura de informação e gosta de aprender”. “E também gosto muito de ler. Leio todos os dias”, testemunha, para depois se confessar um fã incondicional de Jorge Amado, em especial do seu Capitães da Areia. Fica, assim, justificada a sua outra grande paixão: “Adoro Salvador da Bahia, no Brasil. Já lá fui umas 20 vezes e nunca me canso de lá voltar”, declara. “Tem sol, calor e uma comunidade que me faz lembrar muito Angola, onde estive na altura da g

Foto
O Dicionário de Baianês: Agostinho Pinto tem uma forte relação com Salvador da Bahia Adriano Miranda

Guerra Colonial e onde nunca mais voltei”, justifica, deixando o desabafo: “Sou apaixonado por Angola e acho que não vou morrer sem lá voltar.” Tanto mais porque, assegura, já teve o privilégio de visitar todos os outros Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.

Natural do Porto, e residente na região de Aveiro desde os 11 anos — primeiro em Estarreja e depois em Aveiro —, Agostinho Pinto diz-se “um cidadão do mundo”. “A minha terra é onde eu estou”, atira, com a legitimidade própria de quem andou a percorrer o país de lés-a-lés por força da sua actividade profissional. “Andava sempre de mala na mão”, lembra, a propósito da sua experiência de mais de 40 anos como funcionário da PT. Reformou-se há quatro anos, mas mantém-se bastante activo na gestão e manutenção do seu museu. Na procura de potenciais peças ou equipamentos para juntar ao actual espólio mas, melhor do que isso, a receber visitas de escolas ou de grupos dentro das quatro paredes que já foram o celeiro da “ti Deolinda”. “É muito gratificante receber aqui as crianças, explicar-lhes a evolução dos telefones e dos telemóveis”, admite Agostinho Pinto, avô de dois rapazes, de nove e cinco anos. São eles os “herdeiros” da imensa colecção de telefones e telecomunicações e cabe-lhes a responsabilidade de cumprir o grande desejo do avô: “Gostava muito que eles dessem continuidade ao museu.”

Foto
A fotografia ao lado de Álvaro Cunhal Adriano Miranda
Sugerir correcção
Comentar