Para onde vais tu, Portugal do vinho?

Por muito que me custe custe dizer isto, ainda és um país do segundo campeonato no mundo dos vinhos.

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Adriano Miranda

Para onde vais tu, Portugal do vinho? És, por tradição, um país do Velho Mundo do vinho, mas ages cada vez mais como um país do Novo Mundo. Em vez de estudares melhor os teus solos e as tuas inúmeras castas, divertes-te a experimentar castas estrangeiras ou a mudar castas nacionais de um lado para o outro.

É certo que, se vendes o grosso do vinho que produzes nas grandes superfícies e a menos de três euros a garrafa, para ser benevolente, não podes preocupar-te muito com conceitos como “identidade” ou “tipicidade”, cada vez mais decisivos no mundo actual. Mas o cerne da questão está aí. Não é com vinhos indiferenciados que consegues ganhar prestígio e mais valor para os teus vinhos. É com vinhos originais, diferentes e autênticos. Vinhos singulares e inimitáveis.

Não leves a mal, mas ainda andas a brincar aos vinhos. Navegas à bolina, empurrado pelos efeitos dos concursos, dos blogues e das pontuações dos críticos influentes, sem cuidares de definir o modelo de negócio e o perfil dos vinhos que queres vender ao mundo. Abanas-me com as estatísticas? Olha que as estatísticas enganam! Os números que o teu Governo, a Viniportugal e as diversas comissões regionais de vitivinicultura lançam regularmente até sugerem que o negócio do vinho corre muito bem por cá. Em Lisboa, todos os anos se fala em grandes crescimentos. No Alentejo é a mesma coisa. Nos Vinhos Verdes, a euforia assemelha-se aos picos das tecnológicas nas bolsas de valores. Resumindo: anda tudo a ganhar muito dinheiro. Mas não te iludas: é pura ilusão. Salvo meia dúzia de grandes empresas, a maioria dos teus produtores de vinho sobrevive, limitando-se a trocar líquido por liquidez. Pergunta aos bancos se é verdade ou não.

Por muito que me custe custe dizer isto, ainda és um país do segundo campeonato no mundo dos vinhos. Ainda não tens uma imagem de prestígio que te permita acrescentar valor aos vinhos. Dizerem dos teus vinhos, como dizem, que têm uma boa relação qualidade/preço não devia deixar-te eufórico. Basicamente, querem dizer-te que fazes benzinho e barato. É como nos têxteis: podes produzir muito e bom vestuário para a Zara, mas, no final, quem ganha dinheiro a sério é o dono da Zara, não são as  tuas empresas do vale do Ave.

Ser apenas bonzinho nos vinhos é muito pouco para um país com o teu potencial em clima, solos e diversidade de paisagens e de castas.

Devias ser mais ousado e pôr os olhos nos franceses, na forma como promovem e vendem o que é seu. Não é por acaso que os vinhos franceses mais conhecidos resistem a todas as modas e crises. Resistem porque souberam criar prestígio a partir da promoção e, antes de tudo, da definição de um perfil consistente de vinho. A isto chama-se identidade. Os Borgonha são de uma maneira e os Bordéus de outra. Não enganam em prova. E são assim há dezenas e dezenas de anos. O clima, os solos e as castas “falam” pelos vinhos.

E tu, Portugal? De entre as principais regiões, só encontramos um perfil bem definido de vinho em três ou quatro. Encontramos nos Vinhos Verdes e no Dão, uma das poucas regiões nacionais que tem estado imune às castas estrangeiras; o Douro, ao fim de quase três décadas de vinhos tranquilos, também já começa a ter um perfil bem definido, assente na tradição do lote e nas castas brancas e tintas que já usava no vinho do Porto; e a Bairrada parece finalmente seguir no bom caminho, depois de um certo desvario bordalês. No resto, o que existe é apenas perfil climático.

No teu Alentejo, os números até parecem avalizar a actual estratégia “novo-mundista”: mais de metade do vinho vendido por cá é proveniente do Alentejo. Se calhar, sou eu que estou errado. Há muitas regiões no mundo, dos Estados Unidos à Austrália, com um percurso semelhante ao do Alentejo que são bem sucedidas. Mas tu não és os Estados Unidos, nem és a Austrália. És o que és e no negócio mundial do vinho contas muito pouco. Tirando o vinho do Porto, és como a Roménia ou a Bulgária. O que sabemos dos vinhos destes países? Nada ou muito pouco. Por que será? Não é só a distância que explica o nosso desconhecimento. É também o tipo de vinho que esses e outros países da tua dimensão produzem. Vinho “francês”, feito com Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot, etc. Esses países nunca irão estar no mapa mundial com castas francesas. Produzirão sempre para consumo interno e para a sua diáspora. Como o Alentejo.

É esse destino que queres para ti? É verdade que as castas sempre viajaram pelo mundo e que mesmo as regiões mais clássicas incorporam variedades provenientes de outras regiões. Há sempre lugar a excepções. O caso da Alicante Bouschet no Alentejo ou da Sousão no Douro são dois bons exemplos. Autorizar uma ou outra casta por razões climáticas, ou até mesmo para melhorar a qualidade dos vinhos, pode fazer sentido. Mas abrir a porta a tudo, sem qualquer critério, respondendo mais à vontade dos produtores do que dos consumidores, é um erro crasso. Achas mesmo que Lisboa precisa de Tannat? E mesmo o Douro não passava bem sem a Alvarinho? E o Alentejo ganha alguma coisa com a Syrah, uma casta de clima frio, mesmo que os Syrah de Cortes de Cima sejam um sucesso nacional?

Os consumidores, sobretudo os que estão dispostos a pagar mais, querem é vinhos genuínos e com tradição local. Por alguma razão as regiões de que mais se fala em Espanha são aquelas que partiram em busca das suas raízes. Estamos a falar de Bierzo, Penedés, Serra de Gredos, Canárias. Em França, falamos do Jura, com os seus brancos de Savagnin e tintos de Trousseau (o teu Bastardo) e Poulsard.

Por cá, ainda não há nada parecido. Trás-os-Montes, com as suas inúmeras vinhas velhas, podia ser a próxima região da moda. Mas está a ir pelo mesmo caminho internacional de outras regiões nacionais. É uma pena. Olha que os vinhos não valem só pela sua qualidade intrínseca. A sua história e originalidade contam cada vez mais. Falo por mim, embora a minha opinião pouca valha: prefiro mil vezes beber um bom Bastardo de Trás-os-Montes do que um bom Syrah da mesma região.

Pensa bem, Portugal. Tens tudo para subir de campeonato, se começares a olhar mais para o que possuis dentro de portas e que o resto do mundo desconhece. Esquece as imitações. Nisso, a China é muito melhor do que tu e eles são mais do que as mães. Pensa no bacalhau. Depois de conhecer as tuas melhores receitas, não há estrangeiro que não goste. Podes fazer o mesmo com a Touriga Nacional, a Baga, a Alvarinho, a Encruzado, a Rabigato, a Bical, a Tinta Amarela.... Só precisas de confiar mais nas virtudes da diferença e da especialização. E acreditar mais em ti. Tens que ser como engenheiro, o Fernando Santos. Viste bem o que ele fez em França, no Europeu de Futebol?

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