Rui Moreira não aceita recomendação da assembleia para repor provedoria

“Discriminação, mesmo sendo positiva, não deixa de ser discriminação. Não é isso que pretendemos para a nossa cidade”, defendeu deputada municipal eleita pelo movimento independente do presidente da Câmara do Porto.

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Todas as forças políticas, com excepção do movimento de Rui Moreira, querem Provedoria dos Cidadãos com Deficiência Paulo Pimenta

Numa noite atípica, com a primeira fila da zona dedicada ao público ocupada por seis cidadãos em cadeira de rodas, a Assembleia Municipal do Porto aprovou, por maioria, uma recomendação do PS para que o executivo liderado por Rui Moreira “reconsidere a decisão de extinguir a Provedoria Municipal dos Cidadãos com Deficiência [PMCD] e retome o seu funcionamento”. Mas, ao PÚBLICO, fonte da câmara garante que “Rui Moreira vai continuar a cumprir o seu programa e o provedor do munícipe já está criado”. E o que o autarca tem dito repetidamente é que do seu programa eleitoral já constava a extinção desta provedoria. Na sessão extraordinária da AM de quarta-feira à noite, vários deputados disseram-lhe que não será bem assim. O presidente da câmara não respondeu.

A primeira a interpelar directamente Rui Moreira sobre este assunto foi a deputada Mariana Macedo, da coligação Porto Autêntico (PSD/PPM), que, depois de ler o manifesto eleitoral de Rui Moreira, O Nosso Partido é o Porto não encontrou qualquer referência à extinção da PMCD. “Está lá a intenção de criar a figura do provedor do munícipe, mas não é referido que isto terá como consequência a extinção da provedoria dos cidadãos com deficiência. Não há nenhum nexo de causalidade, nada indica que a existência de uma obriga à extinção de outra”, disse. Posição idêntica assumiriam Gustavo Pimenta, do PS (“não conhecemos nenhuma intervenção pública sua sobre esta matéria, durante a campanha, nenhuma entrevista em que o tenha referido”), e Pedro Lourenço, do Bloco de Esquerda (“não é de todo verdade que a extinção constasse do programa eleitoral […], nunca, em momento algum, em nenhum documento, em nenhum debate, tornou pública a intenção de extinguir”).

No manifesto eleitoral do grupo independente consta, de facto, a intenção de “criar a figura do provedor do munícipe, que garanta a eficaz articulação entre todos os serviços implicados e o acompanhamento da execução, sendo o elo imparcial entre a comunidade e a instituição”. Não há ali, contudo, referência à extinção da PMCD. Apesar de não responder aos deputados municipais que se pronunciaram sobre esta matéria, o autarca voltou a insistir, logo na sua primeira intervenção da noite, que o seu programa eleitoral “inclui claramente a referência a esta questão”, ou seja, que era intenção do movimento “extinguir aquela provedoria e criar a provedoria do munícipe”. Maria Adelaide Ducharne, eleita pelas listas de Moreira, seguiu a mesma linha: “O que se pretende é integrar [a PMCD] na provedoria do munícipe, numa linha clara de inclusão. Assim foi apresentado e assim consta do seu programa eleitoral”, disse.

A deputada municipal assumiria, aliás, uma posição que destoou de todas as que foram expressas pelo PS, PSD, CDU e Bloco de Esquerda. Sem excepção, cada uma destas forças políticas elogiou o trabalho desenvolvido pela PMCD e defendeu a sua continuidade. Eleitos socialistas, comunistas e sociais-democratas apelaram mesmo a Rui Moreira para que tivesse “a humildade” de mudar de ideias nesta matéria, afirmando que tal não deveria ser encarado por ele como “uma derrota”. Enquanto estas forças políticas defendiam que os cidadãos com deficiência necessitam de uma provedoria que olhe, em exclusivo, para os seus problemas, Maria Adelaide Ducharne argumentava: “Pretender que [a PMCD] se mantenha à parte do provedor do munícipe é promover uma postura de exclusão social (…), é discriminação”, acrescentando, logo em seguida: “Discriminação, mesmo sendo positiva, não deixa de ser discriminação. Não é isso que pretendemos para a nossa cidade.”

Uma intervenção que levaria a deputado municipal do BE, Susana Constante Pereira, a afirmar: “Ao contrário do que aqui foi dito, e para que não andemos para trás décadas, não existe discriminação positiva, existe acção positiva e essa é urgente”.

A proposta socialista acabaria por ser aprovada com 23 votos a favor, 17 votos contra e cinco abstenções (uma do PAN – Pessoas, Animais, Natureza e quatro do grupo de Rui Moreira), mas sem qualquer garantia de que a recomendação seja acolhida pelo executivo. Cinco outras propostas – quatro da CDU e uma do Bloco de Esquerda – que procuram garantir mais qualidade de acesso dos cidadãos com deficiência à habitação social, ao espaço público e aos transportes também foram aprovadas por maioria.

Durante o debate, Rui Moreira não gostou de ouvir a deputada socialista Patrícia Faro afirmar que, face à incompreensão em perceber o porquê da extinção da PMCD, era levada a pensar que em causa estaria “uma atitude persecutória” à última provedora, a arquitecta Lia Ferreira. O presidente da câmara reagiu, afirmando que estas acusações “seriam absolutamente ignóbeis, não fossem totalmente ridículas”. A troca de acusações não ficou por aqui, com Gustavo Pimenta a lembrar, pouco depois: “Fez questão de anunciar que não lhe parece bem que uma pessoa eleita por outro partido, noutro concelho, fosse provedora. O senhor presidente é que levantou essa questão aqui. Ao centrar na pessoa, deixa sempre essa suspeita”, disse. Rui Moreira recusou, dizendo que, se fosse esse o caso, poderia ter mantido a provedoria, substituindo a provedora.

O mistério do relatório de 2017

Presente ao longo de todo o debate esteve o relatório de actividades da PMCD de 2017, que chegou às mãos de todas as forças políticas presentes na AM, com excepção do grupo de Rui Moreira. O documento, a que o PÚBLICO teve acesso, acabaria por se tornar um dos casos mais caricatos da noite, depois de Rui Moreira afirmar, na primeira intervenção que fez, que o relatório “não existe”.

Perante esta afirmação peremptória, Rui Sá, da CDU, pediu esclarecimentos, uma vez que os comunistas tinham o documento. Rui Moreira disse então que “qualquer relatório deveria ser entregue na presidência, a presidência não recebeu nenhum relatório relativamente a 2017”. Pouco depois, o autarca já se referia ao documento dizendo que a presidência não o recebera “em termos como deve ser, assinado, datado, etc” e o presidente da mesa da AM, Miguel Pereira Leite, introduzia a nuance que “formalmente, perante esta assembleia municipal, o relatório não existe”.

Quando Gustavo Pimenta questionou Moreira se os serviços da presidência não tinham, de facto, solicitado à antiga provedora que assinasse o relatório que lhes chegara por via electrónica, para que este pudesse ser validado, o chefe de gabinete do presidente da câmara saiu da sala e regressou com o documento impresso, entregando-o a Moreira que, na intervenção seguinte, afirmou que, afinal, o que chegara por via electrónica era “um ‘draft’”. “Não vinha datado ou assinado, parece-me um rascunho, para a presidência não é um relatório”, disse o autarca, lendo algumas passagens do documento que justificariam esta posição, como “explorar um pouco mais o que foi realizado até aqui”.

Contactada pelo PÚBLICO Lia Ferreira garantiu que o relatório foi enviado para os serviços camarários na sexta-feira passada, mas sem assinatura, pelo que lhe foi solicitado que o assinasse. O relatório já assinado e com data de Fevereiro de 2018 foi entregue na terça-feira, ao meio-dia, garantiu. Lia Ferreira lamentou que Rui Moreira tenha lido passagens de um dos anexos do relatório, sublinhadas, no documento, a amarelo, como se do próprio relatório se tratasse. “Há uma nota antes desse anexo em que se explica claramente que aquele projecto da PMCD já inclui alterações propostas pelo Pelouro do Comércio, Turismo e Fiscalização, vertidas nas tais frases destacadas a amarelo, porque deveriam ter sido formalizadas numa reunião posterior que nunca chegou a acontecer. Daí terem aquela formulação”, disse.

O outro caso caricato da noite envolveu a CDU que, após o pedido de substituição de 26 dos seus eleitos, teve presente na AM o 30.º cidadão da sua lista, Bruno Valentim. Em cadeira de rodas, o deputado municipal comunista fez uma exposição sobre as dificuldades com que os cidadãos com deficiência ainda se deparam, já depois de um eleito pela lista de Rui Moreira ter questionado a sua presença ali. Pereira Leite disse que o processo de substituição fora, de facto, estranho, com membros da lista da CDU a fazerem chegar à AM a sua indisponibilidade para estarem presentes naquela sessão sem sequer terem sido ainda convocados, ou em ordem inversa à que seria natural – o 29.º disse que não poderia estar presente antes do 10.º, exemplificou.

Já esta quinta-feira, em comunicado, o movimento independente de Rui Moreira referiu-se ao caso como um “inédito expediente”, pedindo à CDU que prestasse esclarecimentos sobre o mesmo.

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