Quando as receitas fiscais falham, as cativações são a solução

A percentagem de cativações descongeladas atingiu um novo máximo em 2017. Cumprindo uma tendência do passado, essa generosidade das Finanças está associada a um desempenho mais favorável das receitas fiscais.

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Mário Centeno teve política diferente sobre cativações em 2016 e 2017 Daniel Rocha

Nunca como no ano passado, um ministro das Finanças tinha sido tão generoso na hora de aceitar os pedidos dos serviços públicos para a libertação de despesas cativadas. De acordo com os dados divulgados por Mário Centeno na última semana, foram descongelados mais de 70% do total das cativações iniciais, num valor de 1321 milhões de euros. Esta maior disponibilidade para libertar verbas surge, como no passado, associada a um desempenho mais favorável das receitas fiscais.

De facto, quando se olha para os orçamentos dos últimos sete anos e para os dados relativos à sua execução, é possível verificar que existe uma ligação muito estreita e permanente entre a forma como os ministros das Finanças gerem as verbas por si cativadas nos orçamentos e aquilo que foi o desempenho da receita fiscal ao longo do ano.

Depois de definidas no Orçamento do Estado (OE) as cativações iniciais, estas apenas podem ser descongeladas e usadas pelos serviços após autorização expressa do Ministério das Finanças. O que se nota nos dados existentes desde pelo menos 2011 é que, quando a receita fiscal fica abaixo do esperado no orçamento, a percentagem de verbas descativadas tende a ser sempre mais baixa. E, inversamente, quando a receita fiscal surpreende pela positiva, as Finanças libertam uma percentagem maior das cativações.

Foi este último caso que se verificou em 2017. Devido ao desempenho muito positivo da economia (que deverá crescer cerca de 2,6% em vez dos 1,8% que serviram de base para o OE), a receita fiscal do Estado ficou, de acordo com o boletim de execução orçamental publicado no final do mês passado, 763 milhões acima daquilo que tinha sido orçamentado.

Isso deu espaço de manobra ao ministro das Finanças para, ao contrário do que tinha sucedido em 2016, ser bem mais generoso na hora de decidir sobre os pedidos de descongelamento das cativações.

De acordo com aquilo que Mário Centeno anunciou na semana passada no Parlamento, as cativações finais em 2017 ficaram-se pelos 560 milhões de euros. Isto apesar de, no início do ano, as cativações em vigor ascenderem a um recorde histórico de 1881 milhões de euros. Isto é, 70,2% das cativações iniciais acabaram por ser descongeladas. Este é o rácio de libertação de cativações mais alto de que há registo, ficando bastante acima da média de 57,3% registada desde 2011, o ano em que chegou a troika e Portugal ficou ainda mais pressionado a cumprir as metas orçamentais definidas.

Durante estes sete anos, os dois anos em que os ministros das Finanças foram mais rígidos no descongelamento das cativações foram 2012 e 2016, com a percentagem de verbas libertadas a ficar-se pelos 48,7% e 46%, respectivamente. Foram precisamente esses os dois anos que, desde 2011, revelaram uma execução das receitas fiscais mais baixas. Em 2012, a receita fiscal ficou 3133 milhões de euros abaixo do previsto e, em 2016, 729 milhões de euros aquém do estimado.

No sentido contrário, em 2011, 2013 e agora em 2017, a percentagem de libertação de verbas ficou acima da média e coincidiu com uma execução das receitas fiscais acima de 100%. Em 2015, com a receita fiscal a ficar quase exactamente no valor orçamentado, o descongelamento das verbas ficou perto da média.

Desde 2011, em apenas um ano esta regra não se cumpriu. Em 2014, a receita fiscal surpreendeu pela positiva, mas mesmo assim, o Governo optou por manter congelada a maior parte das verbas inicialmente cativadas.

Há alguns factores extraordinários que influenciaram os resultados de 2017. O primeiro é que o montante de cativações iniciais previstos no OE foi o maior de sempre. Isso faz com que, apesar de mais de 70% das verbas terem sido descongeladas, ainda assim as cativações ascenderam a 560 milhões de euros, um valor que supera, por exemplo, o registado em 2015 e em todo o período entre 2011 e 2013.

As decisões de Centeno foram também tomadas no meio de uma pressão inédita para reduzir as cativações por parte da oposição e da opinião pública. Depois de em 2016 ter atingido um recorde, os partidos à esquerda e à direita criticaram fortemente esta prática. Durante as discussões do OE 2018 foram mesmo introduzidas alterações legislativas que impuseram um limite às cativações este ano e obrigam o Governo, já a partir do próximo mês de Maio, a apresentar dados regulares sobre o ritmo de descativação das verbas.

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