Oi leva trunfo para julgamento em Paris contra Isabel dos Santos

Os brasileiros que ficaram com os activos africanos da PT têm uma sentença de um tribunal de Luanda que diz que os sócios angolanos da Unitel SA desrespeitaram os seus direitos como accionista.

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Isabel dos Santos esteve esta semana na inauguração da nova fábrica de carregadores para veículos eléctricos da Efacec, na Maia Nelson Garrido

O arranque do procedimento arbitral entre os accionistas da operadora angolana Unitel SA está agendado para esta quinta-feira em Paris, na Câmara Internacional de Comércio (ICC, na sigla em inglês), confirmou ao PÚBLICO fonte oficial da brasileira Oi, que herdou a participação da antiga Portugal Telecom na empresa angolana liderada por Isabel dos Santos, a quem agora reclama uma indemnização de aproximadamente 2800 milhões de euros (quase 3400 milhões de dólares).

A Oi, que exige o pagamento de dividendos antigos e quer ser compensada porque considera ter sido impedida pelos seus sócios angolanos de exercer os direitos de accionista, parte para esta discussão com um trunfo importante: uma sentença emitida pelo Tribunal Provincial de Luanda que anulou as deliberações de uma assembleia-geral (AG) da Unitel SA de Maio de 2015. Nesta decisão, a juíza deu por provado que foram violadas normas da Lei de Sociedades Comerciais e do Código Comercial angolanos, e desrespeitados formalismos na preparação e na condução da AG e, com isso, “violados” e “cerceados” direitos da PT Ventures, a sociedade através da qual a Oi detém 25% da operadora angolana.

Nesta sentença de Julho do ano passado, que o PÚBLICO consultou, a juíza Tatiana de Assis Aço  enumera várias situações em que a Unitel SA desrespeitou os direitos da PT Ventures (então presidida por Marco Schroeder, que até ao final do ano passado também liderou a Oi), entre eles, o direito a participar na AG. Se num primeiro momento foi dito a Marco Schroeder que não podia fazer-se acompanhar na reunião por uma segunda pessoa (um advogado), em seguida “foi dado a conhecer pelos presentes (…) que a Autora [a PT Ventures, que pediu a anulação das deliberações da AG em tribunal] estava impedida de participar por ter os seus direitos suspensos”, lê-se no documento.

Uma suspensão que a Unitel SA até já tinha tornado pública num comunicado de Novembro de 2014. Nessa nota em que acusava a antiga PT de violação do acordo parassocial e de quebrar a confiança entre as accionistas, a Unitel notava que a sua assembleia-geral tinha deliberado, “em Outubro de 2012, suspender os direitos de accionista da PT”.

Mas, como sustenta a sentença, já antes do encontro os direitos da PT Ventures tinham sido violados, por não lhe ter sido dado acesso “à documentação preparatória ou a ser discutida e votada” na AG. É que além da aprovação das contas de 2014, também constavam na ordem de trabalhos a deliberação sobre a proposta de aplicação dos resultados, a apreciação do desempenho da administração da Unitel e a “deliberação sobre as propostas de alteração dos estatutos e novo acordo parassocial”. Adicionalmente, a PT Ventures também não foi autorizada a incluir novos pontos na ordem de trabalhos, tal como tinha direito enquanto accionista com 25% do capital, e apesar de tê-lo pedido com a antecedência devida.

A juíza também destacou o facto de na reunião (a que Isabel dos Santos assistiu como presidente da Unitel e representante da accionista Vidatel) não ter estado presente nenhum dos administradores ou membros do conselho fiscal da empresa, como manda a lei.

Outra norma desrespeitada foi, como destacou a juíza angolana, o facto de o advogado Jorge Brito Pereira (sócio da Uría Menendez Proença de Carvalho, que, segundo a página dessa sociedade de advogados, exerce cargos em diversas empresas ligadas à empresária Isabel dos Santos, como a Nos, de que é presidente do conselho de administração, ou a Santoro, o Banco BIC e a Efacec Power Solutions) ter actuado como secretário da mesa da AG. Isto porque, como notou a magistrada, na ausência do secretário com mandato válido (Henrique Abecassis, que não esteve presente), a escolha do presidente da mesa, o General Leopoldino do Nascimento “Dino”, deveria recair obrigatoriamente sobre um accionista da Unitel SA e não sobre o advogado de Isabel dos Santos.

Esta decisão do Tribunal Provincial de Luanda será certamente um dos instrumentos que os brasileiros irão utilizar em Paris como prova das dificuldades na relação com os sócios angolanos (a Vidatel, a Geni, do General “Dino” e de António Van Dunem, e a Mercury, da Sonangol). No valor que reclama à Unitel SA, a Oi (que está a braços com o maior plano de recuperação judicial da história do Brasil, para fazer face a dívidas de quase 16 mil milhões de euros) inclui o peso da participação financeira na empresa (avaliada em mais de 2000 milhões de euros) e o valor dos dividendos por receber desde 2011, em torno de 665 milhões de euros.

No relatório sobre o exercício fiscal de 2013 que a PT enviou ao regulador do mercado de capitais norte-americano, a Securities and Exchange Commission (SEC), a PT já reconhecia que tinha dividendos por receber da Unitel SA SA no valor de 245 milhões de euros. Apesar de, nesse mesmo ano, o antigo presidente da PT Henrique Granadeiro ter admitido que a empresa não conseguia obter os dividendos e tinha dificuldades em exercer os seus direitos de accionista na operadora angolana, a estratégia nunca passou pela disputa judicial. Foi já sob alçada da Oi (a PT foi transferida para a Oi através de um aumento de capital em Maio de 2015) que se optou pela via judicial. Não sem que antes se tentassem outras vias de entendimento com os sócios angolanos, chegando a ser equacionado – no quadro da incorporação da PT na Oi – uma solução que incluísse também a Unitel SA.

Esse cenário nunca foi avante, tal como não foram adiante os esforços de pacificação entre accionistas que, a dada altura, chegaram a envolver contactos entre governantes brasileiros e angolanos (em 2015 o tema da Unitel SA esteve na agenda da visita oficial a Angola dos então ministros da Indústria e Comércio e das Relações Exteriores do Brasil, já que a Oi era participada pelo banco público BNDES).

Esgotada a via do diálogo, a Oi (que é participada pela Pharol, onde estão alguns accionistas da antiga PT) desencadeou o processo na ICC, em Paris, tal como previsto no acordo parassocial da Unitel SA. As alegações decorreram durante 2016, estando agendados vários depoimentos para os próximos dias. Entre eles contam-se, segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, os de Isabel dos Santos e do General “Dino”, bem como o de Marco Schroeder. Quem também vai depor é o antigo presidente da PT, Miguel Horta e Costa. “Farei uma intervenção muito pequena amanhã [hoje] à tarde”, confirmou o gestor ao PÚBLICO, adiantando que foi contactado pela Unitel SA. “Será uma intervenção muito neutra, muito factual”, afirmou Miguel Horta e Costa.

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