Velhas glórias, clones e hologramas

Se as ressurreições de cantores em hologramas cheirarem a negócio, teremos um “admirável mundo novo” pela frente.

Velhas glórias do rock ainda activas e com saúde há muitas. Basta olhar para a lista de concertos anunciados este ano em Portugal para ver lá inscritos vários nomes que fizeram história na cena musical da segunda metade do século XX: Bob Dylan, Van Morrison, Scorpions, Metallica, Kiss, Iron Maiden, Megadeth, David Byrne, The Human League, Los Lobos, Marilyn Manson, Ozzy Osbourne ou os mais recentes (surgidos já nos anos 90) Pearl Jam, Lenny Kravitz, Queens of the Stone Age, The National, Guano Apes ou Ben Harper. Haverá mais, certamente, o ano ainda mal começou. Mesmo quando alguns grupos se dissolvem ou dizem adeus aos palcos, ficam as carreiras a solo, muitas vezes dos vocalistas. Adeus Talking Heads, olá David Byrne (actua em Oeiras, em Julho); adeus Black Sabbath, olá Ozzy Osbourne (estará em Julho em Lisboa).

Mas ainda há outra via para ressuscitar carreiras: a dos clones. No mesmo momento em que Paul Simon corre mundo com a sua digressão de despedida, Homeward Bound, The Farewell Performance (que termina em Londres, no Hyde Park, em Julho, com James Taylor e Bonnie Raitt por companhia), continua bem viva e activa a dupla The Simon & Garfunkel Story, composta por dois cantores que mimetizam o célebre duo norte-americano de Paul Simon com Art Garfunkel e que, aplaudidos nos EUA e na Europa, da Broadway nova-iorquina ao West End londrino, regressam a Portugal em fins de Maio (já cá tinham actuado em 2015 e 2017, respectivamente em Lisboa e no Porto). Há mais, em matéria de clones musicais (e já por cá tivemos muitos): os canadianos The Musical Box, que encheram a Aula Magna em 2006, em Lisboa, voltam em Outubro com A Genesis Extravaganza, mais uma recriação dos tempos áureos dos Genesis com Peter Gabriel; e os Abba Gold, banda de tributo aos suecos Abba (por sinal a mais conhecida) estará no Casino Estoril em Novembro.

Bom, mas ainda há uma terceira alternativa aos originais e aos clones: os hologramas. Num texto publicado neste jornal, em Janeiro de 1995 (“Dinheiro do céu”), onde se falava da “ressurreição” de vozes de cantores defuntos para duetos digitais improváveis mas concretizados (Natalie Cole com o pai, Nat King Cole; K.D. Lang com Roy Orbison; Freddie Mercury com os restantes Queen; John Lennon com McCartney, Harrison e Ringo Starr), escrevi, quase a terminar: “Se a tendência vinga, somada às habilidades circenses da realidade virtual, ainda assistiremos a concertos com Elvis ressuscitado em recomposição holográfica, para gáudio dos seus incontáveis ‘órfãos’…”

Não era preciso ser adivinho. Só que não foi Elvis, foi Roy Orbison (1936-1988). Neste momento está em marcha uma tournée intitulada Roy Orbison In Dreams – The Hologram Tour que começará em Cardiff, no Reino Unido, em Abril, e percorrerá dez cidades britânicas. A revista Mojo, na sua edição de Fevereiro, dedica uma página ao tema e diz que até o filho de Roy Orbison ficou impressionado. “Disseram-me: ‘O concerto começa, o teu pai avança para o centro do palco e canta [o sucesso de 1961] Only the lonely.’ Senti arrepios só de pensar como iria ser aquilo, um Darth Vader a caminhar no palco… Nós sabemos que é uma espécie de holograma, mas quando ouvimos a música esquecemos tudo o resto. O importante é a voz.” É verdade, mas o resto conta. O rosto de Orbison é sintetizado, o corpo é o de um actor filmado e reprogramado electronicamente e o efeito global é o de um fantasma cantante.

A primeira aparição do género, que deu muito que falar, foi a do rapper Tupac Shakur no festival de Coachella, em 2012. Tupac (1971-1996) tinha sido assassinado quinze anos antes, mas apareceu ali, “vivo”, num dueto com Snoop Dogg. “Milagre” da técnica. Em 2014, foi a vez de Michael Jackson renascer num holograma. Mas se este tinha uns 700 pixéis, a imagem sintetizada e animada de Roy Orbison tem 4000 pixéis, o que quer dizer que já estamos num patamar superior da “coisa”. E se tais ressurreições cheirarem a negócio, teremos um “admirável mundo novo” pela frente. “Poderá ser esta a nova fronteira em matéria de espectáculos ao vivo?”, interroga-se a Mojo. Ouvido pela revista, o filho de Frank Zappa, Dweezil, também músico, prefere que deixem o pai em paz e fora da “hologramania”. Porque isto, diz, “além de falso é perturbador.”

NOTA: O nome do rapper foi, por lapso meu, inicialmente mal grafado (Tupac Skakur, em vez de Tupac Shakur). Já está corrigido.

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