Há uma crise política no paraíso — o que se passa nas Maldivas?

Insatisfeito com a decisão do Supremo Tribunal de colocar em liberdade opositores políticos, o Presidente mandou prender dois juízes, decretou o estado de emergência e mobilizou o exército para assegurar a ordem nas ruas de Malé.

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Manifestação de opositores ao Presidente Abdulla Yameen,Manifestação de opositores ao Presidente Abdulla Yameen Reuters,Reuters
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Polícias e militares maldivos tomaram as ruas da capital Reuters

Afamadas pela areia branca que as rodeiam, pelas palmeiras viçosas que as enfeitam e pelas águas transparentes que as banham, as Maldivas são notícia por motivos pouco ou nada condizentes com o seu estatuto de destino idílico de turismo. Desde terça-feira que o arquipélago composto mais de mil ilhas e com perto de 400 mil habitantes maioritariamente muçulmanos, situado no Oceano Índico, é palco de uma crise política sem precedentes, espoletada por uma decisão judicial que não agradou ao Presidente Abdulla Yameen. Eis algumas explicações para a tensão maldiva:

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O que desencadeou a crise política?

O estado de excepção para os próximos 15 dias foi declarado esta terça-feira pelo Presidente Yameen, na sequência de uma decisão do Supremo Tribunal das Maldivas, anunciada na passada semana, favorável à absolvição e libertação de nove dirigentes políticos da oposição – acusados de crimes de corrupção e associação terrorista – e à recondução de 12 deputados suspensos ao exercício dos seus cargos – que, uma vez em funções, retiram a maioria parlamentar ao partido de Yameen. 

De acordo com o chefe de Estado – acusado pelos críticos de restringir a liberdade de expressão, de exercer pressões sobre o poder judicial e de deter opositores – a deliberação judicial consagrou uma tentativa de “golpe” e não lhe ofereceu outra solução que não a da mobilização do exército e a detenção de uma série de supostos envolvidos – entre os quais o presidente do Supremo, Abdulla Saeed, o juiz Ali Hameed, e o seu meio-irmão, ex-Presidente (1978-2008) e actual membro activo da oposição, Maumoon Abdul Gayoom – em nome da “segurança nacional” e do “interesse público”. “Quero perceber o quão bem planeado foi este golpe”, justificou Yameen, que falou ao país através de um comunicado televisivo, citado pela Reuters.  

Qual a reacção do ex-Presidente Nasheed, um dos políticos absolvidos?

Entre os nove dirigentes políticos beneficiários da decisão do Supremo destaca-se um nome: Mohamed Nasheed. O primeiro Presidente democraticamente eleito da História da República das Malvinas (2008-2012) tinha sido condenado, em 2015, a 13 anos de prisão, pouco depois de perder para Yameen umas eleições que a oposição rotulou como “fraudulentas”. No ano seguinte foi autorizado a procurar tratamento médico fora de portas e o Reino Unido acedeu ao seu pedido de asilo político. Actualmente encontra-se exilado em Colombo, no vizinho Sri Lanka, de onde reagiu à crise política maldiva. 

Nasheed pediu à Índia que lidere uma operação militar de intervenção no arquipélago e solicitou aos Estados Unidos que coloquem um travão nas transacções financeiras com líderes políticos maldivos levadas a cabo por meio de bancos norte-americanos. “O Presidente Yameen declarou ilegalmente a lei marcial e invadiu o Estado. Temos de o remover do poder”, apelou ainda, através da sua conta oficial de Twitter.

Qual a importância das Maldivas para as potências com interesses na região?

Situadas às portas do Mar Arábico e numa zona do Oceano Índico por onde passa uma percentagem importante do comércio mundial, as ilhas Maldivas têm estado cada vez mais na mira do olho chinês. O plano de edificação de uma teia de portos e bases militares na região, levado a cabo por Pequim, vê o arquipélago com redobrado interesse, particularmente numa zona do globo onde a influência do rival indiano é soberana. 

O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Geng Shuang, lembrou, no entanto, que a crise política é um “assunto interno” das Maldivas e mostrou-se confiante na “sabedoria e na habilidade” dos partidos políticos e da população local que, defendeu, lhes permitem “lidar sozinhos com a presente situação”. No seio da liderança indiana o ambiente é de indignação para com a decisão de Abdulla Yameen, mas Nova Deli não estará a ponderar aceder aos pedidos de Nasheed e intervir militarmente nas Maldivas – apesar de já o ter feito, em 1988. A jornalista da BBC Olivia Lang falou com o ex-Presidente maldivo exilado e ficou com a sensação que a estratégia do Governo da Índia, seu aliado, passará por apoiar, política ou financeiramente, qualquer movimento com vista à deposição de Yameen.

Qual o impacto desta crise no turismo das Maldivas?

Embora a maioria dos resorts e dos hotéis luxuosos se situem fora de Malé – a capital e principal palco das movimentações militares e populares – países como Índia, China, Reino Unido ou EUA apressaram-se a emitir alertas junto dos seus cidadãos que se encontram nas Maldivas em turismo ou que pretendem para lá viajar nos próximo dias. Para aqueles que estiverem ou se desloquem até Malé, as autoridades britânicas, por exemplo, pedem “cautela”, e aconselham-nos “a evitar protestos e manifestações”.

Responsável por quase 2,2 mil milhões de euros em receitas no ano de 2016, o turismo é a principal e mais lucrativa indústria do país, pelo que uma crise política tem o condão para refrear a entrada de turistas e de dinheiro no país, a curto e médio prazo. À Reuters, um director de uma agência de viagens em Nova Deli conta que o estado de emergência já está a fazer-se sentir no comércio, numa altura em que as Maldivas se encontram em época alta: “[A crise] está a afectar o negócio. Fomos aconselhados pelos nossos operadores a parar de vender pacotes para as Maldivas”.

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