Humberto Delgado e Salazar enfrentam-se incitados por Vasco Lourenço e Otelo

No seu 5.º aniversário, os Encontros Imaginários que Helder Costa criou para A Barraca põem lado a lado Delgado, Salazar e Soror Mariana Alcoforado, nas vozes de Vasco Lourenço, Otelo e Dulce Afonso. Esta segunda-feira, às 21h30.

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Humberto Delgado e Salazar, o general e o ditador nos Encontros Imaginários DR

Por surreal que pareça o título, é verdadeiro. Chegado ao 5.º ano dos Encontros Imaginários entre personagens da História Universal com participação da sociedade civil (que será o 7.º se contarmos o período com actores), criação do encenador e dramaturgo Helder Costa para o grupo de teatro A Barraca, os personagens escolhidos foram Humberto Delgado (1906-1965), conhecido como o General sem Medo; António de Oliveira Salazar (1889-1970), o “ditador das Finanças” que se tornou em ditador plenipotenciário do país; e Soror Mariana Vaz Alcoforado (1640-1723), freira de Beja que escreveu Cartas Portuguesas, clássico da literatura mundial.

O encontro desta segunda-feira é uma réplica do que inaugurou o ciclo, em 2011, então com actores. Nessa altura, João d’Ávila fez de Delgado, Sérgio Moura Afonso de Salazar e Vânia Naia de Soror Mariana. Helder Costa quisera experimentar, no foyer do teatro A Barraca, uma coisa que ele já havia experimentado na televisão, com Joaquim Letria e Carlos Cruz. Por duas razões: uma, era tirar partido do dia de folga da companhia, a segunda-feira; outra, era arranjar novas fontes de receita, num momento em que o grupo passava por dificuldades económicas. Não pensou, nessa altura, que fosse um êxito. Mas foi. Após dois anos com actores convidados e vestirem a “pele” dos mais variados personagens, foi feito um desafio à sociedade civil e também aqui a resposta surpreendeu o encenador. E foi assim que, ao longo de cinco anos, quem se deslocou à sede d’A Barraca, em Santos, viu o padre Vítor Melícias a fazer de Gil Vicente, Ana Gomes de Eva Braun, Bagão de Félix de Infante D. Pedro, Inês de Medeiros de Joana d’Arc, Catarina Furtado de Marilyn Monroe, Fernando Tordo de Al Capone, Ana Gomes de Eva Braun, Jorge Palma de Cole Porter, Assunção Esteves de Audrey Hepburn, Fernando Rosas de Napoleão, Vasco Lourenço de Marquês de Pombal e Otelo de Salazar.

Agora, estes dois últimos regressam ao “palco”: Otelo volta a fazer de Salazar, um papel que ele insistiu muito em representar, e fê-lo, em 2015, com êxito (“Foi lindíssimo, até porque ele é um actor!”, disse Helder Costa ao PÚBLICO, há um ano); Vasco Lourenço faz agora de Humberto Delgado; e a tradutora e editora Dulce Afonso fará de Soror Mariana Alcoforado.

Poesia e canções das matas

Tal como sucedeu em 2017, quando se celebrou o 6.º aniversário desta série (dois anos com actores mais quatro já com a sociedade civil), estes cinco anos dos Encontros Imaginários só com recurso a personalidades da sociedade civil, não-actores, terão esta noite uma segunda parte com poemas e textos ditos por Maria do Céu Guerra, Sónia Barradas, Ruben Garcia, Adérito Lopes e Sérgio Moras; e música, com o Cancioneiro do Niassa e João Maria Pinto.

O Cancioneiro do Niassa reúne várias canções inventadas por soldados em plena guerra colonial, com músicas decalcadas de melodias conhecidas e letras reflectindo o dia-a-dia dos soldados nas matas africanas. João Maria Pinto, então soldado, cantou vezes sem conta tais canções e gravou-as em cassetes clandestinas que circulavam de mão em mão no mato.

Só em 1999, por ocasião do 25.º aniversário do 25 de Abril, essa herança teve direito a ser gravada em disco, pela EMI-Valentim de Carvalho. Com João Maria Pinto, sim, mas também com as vozes convidadas de Rui Veloso, Paulo de Carvalho, Janita Salomé, João Afonso, Carlos do Carmo, Mariana Abrunheiro, Lura, Mingo Rangel, Carlos Macedo, Ana Picoito, Teresa Tapadas e os Tetvocal. Entre essas canções estavam Ventos de guerra, inspirado no Blowin’in the wind de Bob Dylan; O hino do Lunho, criado sobre a música d’Os vampiros de José Afonso; e vários fados: O turra das minas, com a música da popular Júlia florista; O fado do desertor ou O fado do Antoninho (era assim que chamavam a Salazar), este último decalcado do Vou dar de beber à dor, de Amália.

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