Quando o professor dá a matéria como se fosse a “8.ª maravilha do mundo”

A Sul do país, a Básica Sebastião da Gama, em Estremoz, foi a escola de contexto desfavorecido que mais superou o que dela se esperava.

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Nuno ferreira Santos
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À volta de um aquecedor eléctrico, para não enregelar, professores e alunos até parecem surpreendidos com a atenção que estão a receber. Por que melhorou o resultado da escola? Talvez seja o empenho dos professores, dizem os alunos. Talvez os alunos tenham mudado de “atitude”, apontam os professores. Estão satisfeitos, claro, mas são contidos na manifestação do entusiasmo.

Localizada no interior alentejano, inserida num contexto social marcado por franjas de população desfavorecidas, cerca de 60% dos alunos do 9.º ano da Escola Básica Sebastião da Gama, em Estremoz, recebem apoio social. No ano lectivo de 2016 ocupavam a 886.ª posição no ranking dos exames do 9.º ano. Em 2017 alcançaram o 447.º lugar num universo composto por 1049 estabelecimentos de ensino a nível nacional com pelo menos 50 provas nacionais realizadas.

Pelas características da sua população escolar (taxa de alunos abrangidos por acção social escolar e escolaridade dos pais dos alunos), esta é uma escola do “contexto 1”, o mais desfavorecido dos três definidos pelo PÚBLICO com base nos dados fornecidos pelo Ministério da Educação. A média esperada nos exames nacionais para uma escola com estas características seria de 2,78 valores, numa escala que vai até 5. Alcançou 2,95. Pode não parecer brilhante, mas esta foi a escola de “contexto 1” que, a Sul do Tejo, mais superou o que dela era esperado.

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“Se não houvesse partilha entre alunos e professores, não haveria método ou projecto de ensino que resultasse” assegura, com realismo, o director da escola com pouco mais de 400 alunos, José João Espadinha. O panorama social da população escolar é elucidativo: muitos alunos vêm de famílias desestruturadas e de fracos recursos, o que leva a que o estabelecimento integre um Território Educativo de Intervenção Prioritária — programa criado em 1996 para combater o insucesso e a indisciplina em zonas mais carenciadas do ponto de vista social e económico.

Jorge Baltazar, professor de Matemática, natural do Norte do país, corrobora a afirmação expressa pelo director da escola: “O que mudou foi a postura dos gaiatos. Sem eles não haveria resultados.”

No entanto, outros factores foram determinantes: os professores de Português e Matemática mantiveram-se na mesma turma do 7.º ao 9.º ano, “sempre em continuidade pedagógica, o que assegurou a coesão neste grupo de alunos, a quem foi sempre garantido um suporte de retaguarda”, enfatiza.

O interesse dos “gaiatos”

O facto de os alunos terem estado, durante três anos, com os mesmos professores deixou os jovens “à vontade”, lembra Margarida Almeida, uma das alunas que fizeram parte da turma que mereceu destaque no ranking.

A jovem elogia o ambiente “desinibido” das aulas. E o empenho dos professores. O de Matemática, por exemplo. “O professor parecia que estava a apresentar a 8.ª maravilha do mundo” quando estava a dar a matéria. “Era empolgante porque nos incutia confiança.”

Na resposta ao elogio, o professor de Matemática atenua o brilhantismo que lhe é atribuído, realçando antes o interesse que os “gaiatos” mantinham pela matéria: “Nunca vi nenhum deles arrumar os materiais antes de a aula terminar”, diz, demonstrando, com este exemplo, como o entusiasmo e a dedicação dos alunos acabaram por valorizar o seu próprio trabalho. Chegaram mesmo a ir “além do programa na matéria dada”.

O progresso na disciplina de Português, igualmente valorizada na subida de classificação em 2017, também não foi fruto do acaso. Isabel Rebocho, a professora, destaca o trabalho prévio que foi feito com os alunos. Os que compuseram a turma no 7.º ano, e que permaneceram juntos com os mesmos professores até ao 9.º, “já vinham munidos de pré-requisitos, embora houvesse diferenciação entre eles a nível de conhecimentos assimilados”.

Fazer parte da escola

O mérito da Sebastião da Gama residiu no trabalho realizado no sentido “da interiorização do conceito da partilha e da entreajuda” entre alunos. Sobre os conteúdos programáticos, os conhecimentos e a interpretação do Português incidiram sobretudo “no saber interpretar” o que se lia e os textos que elaboravam, motivando-os a requisitar livros na biblioteca da escola e a fazer “com agrado” trabalhos em casa.

O trabalho de equipa recebeu ainda o apoio da coordenadora de Matemática e Ciências, Rosário Aldeagas. “Semanalmente, reunia-me uma hora com os professores para a planificação dos conteúdos programáticos de Português e Matemática.” Há três anos que trabalham em conjunto e com resultados que realçaram o trabalho da escola, pelas boas razões.

Os depoimentos de Maria Lopes e Bernardo Clímaco, alunos do 7.º ano, mostram que houve mudança de testemunho para o ano lectivo de 2018 e que o modelo implementado prossegue. “Nós não temos medo de falar com os professores, nem temos receio de perguntar ou de pedir esclarecimentos depois das aulas”, dizem, assumindo que as linhas programáticas que estão a ser seguidas na escola têm este efeito: “Transmitem-nos a ideia que fazemos parte dela.”

E o espírito de entreajuda persiste: um colega pediu a Bernardo Clímaco se podia ajudá-lo em Matemática. “Fiquei muito satisfeito por ele ficar a perceber o que lhe parecia difícil.”

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