Assim se aprende: “Digo-lhes sempre que estão no sítio certo para errar”

A Escola de Viticultura da Bairrada está no pódio das que melhor se saem no ensino profissional. Mais de 90% dos alunos concluem cursos no tempo normal, mas o caminho para ali chegarem é exigente.

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Adriano Miranda

O burburinho na copa parece o de uma cozinha profissional. Há um corrupio de gente vestindo jalecas brancas à volta dos pequenos pratos que serão a entrada do menu e pedidos que chegam em pequenos papéis. Outros dois grupos aguardam pelas primeiras ordens de carne e peixe. Estamos, porém, numa escola profissional, em Anadia.

“Tentamos colocá-los em situações o mais próximo possível do que vão encontrar no mercado de trabalho,” explica Nuno Cabral, chef de cozinha e professor na Escola de Viticultura da Bairrada, que é um dos estabelecimentos do sector com melhor desempenho num novo indicador divulgado pelo Ministério da Educação.

Para concretizar o objectivo de colocar os jovens mais próximos do contexto de trabalho, a escola criou um restaurante pedagógico, onde todos os dias podem almoçar alunos, professores e alunos. A lotação está limitada a 16 pessoas e é raro o dia em que não esgota. A azáfama é a de um restaurante comercial, com uma pitada menos de pressão. “Digo-lhes sempre que estão no sítio certo para errar”, sublinha o professor.

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Diogo Cruz, 18 anos, gosta, porém, da adrenalina. Por isso é que o seu lugar favorito é nas entradas: “São os primeiros a sair e é muito maior a pressão. Isso faz-nos crescer.” Desta vez foi o responsável pelo rodovalho, colocado sobre um puré de inhame, que era o prato de peixe do dia.

Já tinha terminado o 10.º ano num curso científico-humanístico, quando decidiu inscrever-se na escola profissional de Anadia. “Passei de ano, mas pus-me a pensar: será que este curso me serve?”, conta Diogo. Decidiu mudar para o ensino profissional, ainda que continue a pensar em prosseguir estudos para o ensino superior. “Assim, se não entrar, já tenho uma profissão.”

Vai no bom caminho: Está no último ano do curso de restaurante e pastelaria e não tem nenhum módulo atrasado. Nunca chumbou, sublinha: “Já sabemos que a escola é muito exigente com isso”.

Taxa de conclusão de 91%

A Escola de Viticultura da Bairrada tem uma das mais altas taxas de conclusão no tempo normal (três anos) de todo o ensino profissional: 91%. A taxa nacional de conclusão no tempo normal de alunos com o mesmo perfil não vai além dos 55%.

Para chegar até aqui, a escola teve que apertar os seus critérios de exigência. Nos primeiros anos após a sua criação, em 1991, havia alunos que chegavam ao último ano do curso com 35 módulos em atraso – no ensino profissional as disciplinas dividem-se em módulos, que são avaliados de forma independente.

“Isso significava que nunca mais iam conseguir fazer o curso no tempo previsto”, comenta Maria Júlia Barbosa, que desde então é a directora-pedagógica deste estabelecimento de ensino. Percebeu que precisava de mudar de estratégia. Agora cada estudante só pode transitar para o período lectivo seguinte com um máximo de dois módulos em atraso.

Os alunos sabem também que não podem prosseguir para a formação em contexto de trabalho – estágio de um mês que têm no final de cada ano lectivo –, nem começar a fazer a Prova de Aptidão Profissional, a última etapa do ensino profissional, com qualquer módulo em atraso.

“Isto foi capaz de os motivar. Com esta exigência, quer os alunos quer os professores tiveram que trabalhar mais”, considera a directora-pedagógica.

Para garantir que os alunos conseguem completar os módulos, os horários semanais têm tempos destinados a reforço de aprendizagem, que podem ser usados para fazer recuperação desses estudantes, mas também podem ser solicitados para reforçar matérias que já foram leccionadas nas aulas, mas que os professores identificaram que os alunos não apreenderam bem.

A maior exigência no número de módulos que permitem as transições dos alunos tem reflexos nas estatísticas. A Escola de Viticultura da Bairrada tinha 323 estudantes inscritos em 2015/16 – o ano mais recente dos dados disponibilizados pela primeira vez pela tutela para o ensino profissional. De acordo com os mesmos dados, apenas 67 concluíram a sua formação no final desse ano lectivo. Isto significa que os alunos que estão mais atrasados acabam por ficar “presos” nos primeiros anos do respectivo curso.

Construir projectos de vida

Criada há 26 anos, esta escola nasceu para dar formação profissional na fileira da vinha e do vinho, onde a Bairrada tem grande tradição. Na base da sua criação está a Estação Vitivinícola da Bairrada, uma instituição centenária onde nasceu o espumante em Portugal. A Comissão Vitivinícola da Bairrada é actualmente uma das associadas da instituição que gere o estabelecimento de ensino, juntamente com a Câmara Municipal da Anadia e um grupo de empresas da região ligadas ao sector vinícola.

Apesar da ligação história ao vinho, o curso de Técnico de Enologia e Viticultura é o menos procurado da escola. “Há muitos anos que temos apenas meia turma”, reconhece o director, Adriano Aires. Ao todo, estão inscritos neste momento 35 alunos nessa formação. A oferta da escola é diversificada e inclui o curso de Cozinha e Pastelaria, que Diogo Cruz está a terminar, bem como Restaurante/Bar, Gestão e Construção e Mecânicas, na variante de moldes, a oferta mais recente do portfólio.

A escola profissional de Anadia tem também uma baixa taxa de desistência (6%) – a média para os estabelecimentos de ensino com o mesmo perfil é de 16%. Há outros indicadores de sucesso da escola como o facto de, ao fim de um ano, todos os alunos que completam um curso profissional estarem ocupados, ou a trabalhar (dois terços na sua área de formação) ou prosseguindo estudos.

Em média, 30% dos alunos desta escola seguem para o ensino superior, para fazerem um curso técnico superior profissional ou uma licenciatura. E essa é uma preocupação da escola desde o início. Logo no primeiro ano de cada curso profissional, os directores de turma fazem o levantamento dos alunos que querem fazer prossecução de estudos assim como as áreas pretendidas.

Em função disso, há um gabinete de apoio ao acesso ao ensino superior que auxilia os alunos na preparação para o acesso e é também disponibilizado um horário, nas tarde de quarta-feira, destinado a leccionar as matérias das disciplinas que serão objecto de exame de acesso e que não constam nos currículos dos estudantes no ensino profissional.

A escola não está ali só para ensinar, defende o director, Adriano Aires. “Nós somos responsáveis pela construção de projectos de vida de jovens que ainda têm uma vida inteira à sua frente”.

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