Autonomia do Ministério Público está em causa, alertam os procuradores

Escassez de meios técnicos e humanos, atraso na revisão do estatuto e a forma como o procurador-geral da República é exonerado, deixa sindicato apreensivo quanto ao futuro.

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Falta de magistrados. Falta “gritante” de funcionários judiciais. Falta de assessorias especializadas na criminalidade complexa. Falta de meios humanos na Polícia Judiciária. O quadro, ‘negro’, consta das conclusões do XI Congresso do Ministério Público (MP), que terminou este sábado no Funchal, e, segundo o Sindicato dos Magistrados do MP, coloca em causa a “autonomia e independência” do MP.

A reflexão promovida pelos magistrados teve como pano de fundo a revisão do Estatuto do MP – “não pode ser encarado como uma questão exclusivamente corporativa ou laboral, uma vez que a actividade independente do Ministério Público é essencial ao Estado de direito democrático” –, mas não escapou à actualidade mediática dos últimos dias.

O mandato da actual procuradora-geral da República, que passou pelo congresso no primeiro dia, e os recentes desenvolvimentos da Operação Lex, andaram pelos bastidores, entrando mesmo nas salas de conferência. Sempre com a independência e autonomia do MP, como início de conversa. 

No caso de Joana Marques Vidal, foi Luís Fábrica, professor da Universidade Católica e membro do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que sublinhou que o mandato do procurador-geral da República não tem uma duração de seis anos, como definido legalmente. Pode ter menos em caso de acordo entre ambos os órgãos do poder executivo [Governo e Presidência da República] no sentido da exoneração, mas também pode ter mais de seis anos se não houver acordo. 

“O mandato não termina, pois, por caducidade, mas sim pela exoneração”, apontou. E nesse ponto, no da liderança do MP estar dependente da política, coloca-se em causa a própria autonomia da magistratura. “O procurador-geral da República é o gigante de pés de barro do Ministério Público”, definiu por isso José Albuquerque, secretário-geral do sindicato e professor no Centro de Estudos Judiciários. Podemos, continuou, vir a ter no futuro um Presidente da República que não seja prudente e, como aconteceu recentemente como uma ministra, vir a exonerar simbolicamente o procurador-geral. 

“Não há argumento constitucional que nos valha. Será sempre uma decisão política”, sintetizou depois Luís Fábrica.

Também a Operação Lex, andou pelas salas e corredores do congresso, mas, se a forma como a hierarquia do MP é nomeada e exonerada fragiliza a autonomia da magistratura, já as investigações a juízes reforçam a imagem de independência, junto da opinião pública.

Longe dos microfones, as conversas giraram em torno do caso. “Durante muito tempo, falavam de uma República de juízes e magistrados, e agora o país vê que ninguém está acima da lei”, ouvia-se nos coffe breaks de um congresso em que se voltaram a a ouvir críticas duras ao poder político.

"Tem sido penoso gerir o Ministério Público"

“Há uma intenção clara do poder político em condicionar a autonomia do Ministério Público na investigação criminal”, lê-se nas conclusões do congresso, apontando exemplos claros: a já mencionada forma como o procurador-geral é exonerado do cargo, e articulação do MP como os órgãos de polícia criminal, que continuam a funcionar de forma autónoma.

Mas, foi da revisão do estatuto dos magistrados que mais se falou em on. Adriano Cunha, vice-procurador-geral da República, confessou as dificuldades que tem sentido em gerir o MP nos últimos anos. “Tem sido penoso gerir o Ministério Público ao longo deste mandato não só por causa desta falta de estatuto mas também por aquela penúria nos meios, sobretudo humanos”, lamentou,  lembrando que a carreira dos magistrados devia ter sido revista já em 2014.

Para as conclusões, ficou que qualquer proposta de alteração ao estatuto deve reunir os seguintes interesses: o interesse do magistrado, o interesse do cidadão e o interesse da organização.

Antes do final dos trabalhos, houve tempo para a apresentação do livro Sindicalismo na Magistratura do Ministério Público, motor histórico da sua dignificação, depois de no primeiro dia ter sido divulgado um estudo da psicóloga Bárbara Fonseca, sobre a relação entre as condições laborais e o bem-estar dos magistrados.

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