O poder de atração da corrupção

Esse, talvez, seja o maior desafio de Portugal e dos portugueses: levar para o governo a honradez, a lealdade e a vontade em servir a comunidade.

Portugal vive situações de corrupção muito graves. Basta para tanto ter em conta os escândalos referentes ao envolvimento do anterior primeiro-ministro, Passos Coelho, no caso Tecnoforma, e a gravíssima acusação contra o ex-primeiro-ministro, José Sócrates, que envolve banqueiros e executivos de grandes empresas, outros políticos e um rol de conhecidos. Figuras políticas importantes do centrão político estão a contas com a justiça. Os que se afirmavam como gestores e banqueiros impolutos fazem-nos agora rir desse perfil, tantos são os que se sentam no banco dos arguidos.

A corrupção, se puder, corrompe os próprios guardiões do céu, anjos, querubins e quem quer que seja. Há quem diga que o próprio diabo era um anjo caído do céu por querer ser mais do que era diante de Deus. Por que haviam de parar na porta da Domus Justitia? A corrupção não fica expectante à porta de quem quer que seja. Se a deixarem entoar as suas melodias, é capaz de entrar. Ulisses pôs cera nos ouvidos.

Chegou a vez de os magistrados aparecerem a encher os media e ligados a este espantoso fenómeno. É interessante ter presente que há corruptos porque há corruptores, mas o ódio da população é de imediato dirigido contra os políticos, deixando de lado os outros, os corruptores ativos. Percebe-se, em certo sentido; é um sentimento de frustração, de se sentir enganado por quem lhe prometeu integridade. É uma espécie de traição.

Os políticos dependem do voto do povo e se os engana essa revolta é maior que aquela que é dirigida aos corruptores. Há uma certa contradição que se torna mais aguda se o enfoque for feito de outro ângulo: sendo assim, por que motivo a população vota em corruptos? Por que dão maiorias e grandes votações a políticos condenados por crimes relacionados com corrupção ou similares?

Há, porém, ainda, outro fenómeno assustador: são todos contra a corrupção nos outros, mas se, por acaso, se puder beneficiar, tirar vantagens desse fenómeno, aí a ira baixa e até pode entrar a música do favor. Há, por outro lado, uma espécie de perdão pelos políticos corruptos que de algum modo fizeram obra que se visse, e uma revolta contra os que se afirmaram desprezando as condições de vida das populações.

Há anos, numa viagem ao Peru, depois da queda de Fujimori, muitos peruanos diziam que ele era um corrupto, mas tinha feito casas, escolas e estradas... era um corrupto bom para o povo... O fenómeno não é só português, é universal.

O povo português talvez seja pela sua própria índole (desconfiado do Estado ao longo de séculos e com razão) mais propenso a fazer explodir a sua fúria em relação aos seus, àqueles que elegeu, do que àqueles que nunca lhe apareceram a pedir o voto, mas que na realidade, como piava o pio Cavaco, são a realidade contra a qual se esbarra.

Se são os mercados, o que vale dizer, o dinheiro, quem manda, e nada se pode fazer, se são esses os valores em que a sociedade assenta, os resultados estão à vista. Vejamos de mais perto: se o que comanda a vida é o poder do dinheiro, então para se ser “alguém” deve aceder-se a esse estatuto do TER (muito mais que o estatuto do SER, que é o da cidadania).

Os media apregoam a vida dos poderosos, estes defendem que um dos males da sociedade é o salário mínimo e os ricos não serem mais ricos.

Se 1% da Humanidade tem uma riqueza quase igual a 99% da Humanidade, segundo a ONG britânica Oxfam, do que se está à espera? Esse poder é o novo bezerro de ouro que é adorado.

Como se pode entender, num quadro destes, as declarações de Rui Rio, testemunha abonatória de Miguel Macedo, quando defendeu que aquele ex-ministro foi sempre um defensor do bem público? Só a perda de referências, de valores, de integridade e de honra explica esta degeneração da sociedade. A força de atração da corrupção parece ser tão forte que até os de baixo se sentem atraídos pelo modo de vida dos poderosos.

É precisa uma República de mulheres e homens à prova de bala da corrupção para travar a corrupção. Falta a coragem cívica para dar força à cidadania séria e honrada. Esse, talvez, seja o maior desafio de Portugal e dos portugueses: levar para o governo a honradez, a lealdade e a vontade em servir a comunidade.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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