Corruptos de todo o mundo, uni-vos!

Se Lula aceitou uma vantagem indevida não o absolva só por ser de esquerda.

Há mais de 30 anos, aterrou-me no escritório o caso de um funcionário público de um qualquer organismo público que era acusado de fechar os olhos a infracções diversas a troco de vantagens económicas. Estava preso preventivamente e procurei que fosse restituído à liberdade, mas sem sucesso. Até que o arguido e os familiares me comunicaram que o juiz de instrução já tinha dito — não sei a quem — que comigo não se entendia e que o arguido só seria libertado se mudasse de advogado, indicando ao mesmo tempo o nome de um advogado “com quem se entenderia”. Ofereci-me imediatamente para abandonar o processo e tempos depois o ex-cliente apareceu-me no escritório. Explicou-me, então, que tinha sido fácil a sua libertação: os seus familiares tinham comprado diversos bens que tinham sido colocados em casa do juiz e o requerimento do novo advogado pedindo a sua libertação fora, de imediato, deferido. Claro que todos os bens — electrodomésticos e creio que um carro também — tinham sido comprados em nome de terceiros e “emprestados” ao juiz.

Vem esta pequena memória pessoal a propósito da condenação do ex-Presidente Lula que suscitou tantos comentários negativos na imprensa portuguesa. Salvo melhor entendimento, parece-me que os inegáveis méritos das políticas sociais de Lula durante a sua presidência, arrancando da miséria milhões e milhões de brasileiros, e a inegável vontade da oligarquia local em destruir o seu legado, obnubilaram a capacidade de análise dos comentadores sobre o comportamento pessoal de Lula. 

Como é evidente, hoje em dia, os corruptos em todo o mundo não registam os frutos das suas actividades ilegais em nome próprio: os mais incipientes colocam-nos em nome de familiares, os mais avisados em nome de terceiros em quem tenham confiança. Sejam os frutos, bens móveis, imóveis ou contas bancárias, mesmo em offshores, nunca estão em nome dos verdadeiros beneficiários finais salvo no caso de corruptos de fraco gabarito, inexperientes nas artes da dissimulação. Depois, as casas, carros, aviões, obras de arte, dinheiros chegarão aos seus reais donos, emprestados ou alugados ou ao abrigo de quaisquer outros contratos absolutamente legais do ponto de vista formal.

Nunca saberemos de que forma e a que título iriam Lula e a sua família usufruir do apartamento triplex que lhes foi entregue pela construtora OAS, no âmbito das contrapartidas pelos contratos celebrados com a Petrobrás. Não o saberemos porque as prisões da operação Lava-Jato atingiram os responsáveis da OAS quando ainda decorriam as obras de transformação do apartamento e Lula nunca chegou a habitar o triplex. Na verdade, Lula não é, nem nunca foi, proprietário do triplex que continuou registado em nome da construtora, mas o crime de corrupção para se consumar não exige a transmissão de propriedade: o que a lei brasileira refere é o recebimento de “vantagem indevida”.

Lula e a sua família procederam como donos de facto do triplex: determinaram, assim, obras profundas no apartamento, tais como a mudança do local da escada, a alteração da posição da piscina, a instalação de um elevador e uma cozinha nova, tudo no valor de cerca de 250 mil euros. É certo que, dentro das provas tidas em conta nas decisões judiciais, se encontram depoimentos de testemunhas que celebraram acordos de delação premiada, o que não seria possível no nosso país — em Portugal, vigora um regime de delação inviabilizada —, mas as decisões judiciais não se baseiam exclusivamente nesses depoimentos.

Basta googlar “provas lula condenação” para ter uma análise jornalística das provas valorizadas pelo juiz Sérgio Moro e pelos três juízes da 2.ª instância. Se quiser ouvir os depoimentos das testemunhas, o YouTube tem inúmeros vídeos das testemunhas a depor em tribunal; entre elas pode ver e ouvir o depoimento de Leo Pinheiro, presidente da OAS, sobre o esquema de corrupção instalado na Petrobrás, como a OAS chegou até lá e porque é que o triplex era de Lula.

Se as provas não o convencerem da culpabilidade de Lula, absolva-o, mas se chegar à conclusão, para além de uma dúvida razoável, que Lula aceitou uma vantagem indevida da OAS, não o absolva só por ser de esquerda.

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