Manel é o moço que trouxe pecados para Lisboa

O Moço dos Croissants chegou a Campo de Ourique pela mão de Manel Perestrelo, que foi a França buscar inspiração para trazer para a cidade "um bom croissant folhado, de manteiga". Três vezes por dia, toca a sineta, a anunciar uma fornada acabadinha de sair.

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Sebastião Almeida
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Lisboa, não sejas francesa, com toda a certeza não vais ser feliz. O conselho mantém-se hoje tão válido como há quase 70 anos, quando o fado foi escrito por José Galhardo e popularizado por Amália, mas convenhamos que à beira Tejo sempre houve um carinho, um gosto e, porque não dizê-lo?, uma pontinha de inveja em relação ao que de melhor há além-Pirenéus.

Recentemente chegaram a Lisboa inúmeros franceses com a bagagem cheia de queijos, chocolates e quejandos acepipes, que puseram à mostra em lojas, cafés e restaurantes um pouco por toda a cidade. Manel Perestrelo, português de Campo de Ourique, não esperou que embarcassem os croissants e foi ele próprio buscá-los à origem. Buscar a inspiração, bem entendido, que os croissants vendidos pel’O Moço dos Croissants são feitos na Rua Coelho da Rocha atrás de uma parede de vidro, não há que enganar.

“Eu tinha o projecto antigo de fazer algo relacionado com pastelaria”, conta Manel, cozinheiro de profissão, que supervisiona um restaurante no Algarve e tem ideias para mais espaços na capital. A escolha do produto-estrela veio da constatação de “uma lacuna” na cidade: “Não havia um bom croissant folhado, de manteiga.” Um dia, ao passear por França, enquanto se entretinha a cuscar o que andavam a cozinhar por aquelas bandas, descobriu aquilo de que andava à procura. “Foi em Fontainebleau, numa pequena boulangerie, que o encontrei.”

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Até agora, de Fontainebleau conhecíamos apenas o luxuoso palácio e a floresta circundante, património classificado pela UNESCO, e uma pesquisa revela-nos uma geminação recente com Sintra. Que é por lá que se comem os melhores croissants de França é novidade de franzir sobrancelhas. Manel Perestrelo afiança que sim. “Durante os dez dias em que lá estive, experimentei-os várias vezes.” Estudou-lhes a textura, o sabor, mediu a quantidade de açúcar, fantasiou recheios. Trouxe de lá uma receita adaptada, menos doce porque o paladar português é outro, mas em tudo o resto igual.

N’O Moço há três fornadas diárias de croissants, duas de manhã e uma à tarde, assinaladas na rua com o retinir de uma sineta, para que os fregueses saibam que é dali que vem aquele cheiro inconfundível. O toque da sineta também funciona como um festejo merecido: é que estes croissants “demoram entre 60 e 72 horas a ser feitos”, explica Manel, porque a massa tem de ser trabalhada, descansa duas vezes e só pouco antes de ir ao forno é que é cortada e enrolada.

“A nossa concorrência não são as pastelarias, o nosso segmento é o guilty pleasure”, atira Manel Perestrelo, que quer que as pessoas ali vão para “pecar”. E, de facto, olha-se em volta no pequeno espaço e as tentações abundam. Na lista de croissants doces há-os com ovos, doce de leite, caramelo salgado, maçã e limão (estes a 2,20 euros), há-os com chocolate, doce de ovo e amêndoa, confitura de frutos vermelhos (a 2,50 euros), há-os por fim com praliné e uma combinação entre mascarpone e a dita confitura (a 2,70 euros). O croissant simples custa 1,50 euros. Há ainda uma variedade de opções salgadas, com destaque para o recheio de queijo da serra e presunto (4 euros).

Na montra estão ainda tarteletes e outros bolos. Na prateleira há pão (que não é da casa, mas diz Manel que é bom), pain au chocolat e miniaturas de palmiers. No Natal houve bolo-rei. “Vamos evoluindo consoante as épocas festivas, mas gostamos de ter outros produtos para os dar a conhecer.”

Num bairro como Campo de Ourique, cada vez mais cheio de estrangeiros — sim, muitos franceses —, a pergunta impõe-se: que dizem os novos vizinhos destes pecados? “Os franceses dizem que este croissant é igual. O único reparo que fazem é que ele é menos doce do que estão habituados”, diz Manel Perestrelo.

Os croissants franceses do Moço vendem-se na Coelho da Rocha, paredes-meias com uma pizzaria e com o chique mercado, mas também são entregues via aplicações para telemóvel. Tanto mundo e inovação não impediram a existência de um serviço a pensar nos velhos habitantes do bairro: a distribuição destes pecados a quem tem dificuldade em sair de casa. Lisboa, assim sim, sê lá um bocadinho francesa. 

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