Duas ou três coisas sobre esta justiça

Agendam-se buscas para o Terreiro do Paço e noticia-se em Lisboa que o Ministério Público parece entender que duas entradas para um jogo de futebol no estádio do Benfica são mais do que suficientes para “comprar” um ministro, nem sequer se sabe ao certo para quê...

1. O ministro Mário Centeno foi eleito presidente do Eurogrupo basicamente por dois motivos.

O primeiro é porque é ministro das Finanças de um Governo que erradicou em Portugal a sensação de austeridade depressiva e estabeleceu com sucesso uma política de rigor financeiro e crescimento económico simultâneos, que muitos diziam impossível. E fê-lo, já agora, seguindo uma linha de rumo que deve o seu traçado em boa parte a este mesmo Mário Centeno e pelo menos desde 2015 ainda em contexto pré-eleitoral. A Europa precisava desesperadamente de boas notícias, como o reconheciam vários Estados-membros e a Comissão - e Portugal, queira-se ou não, foi uma das melhores.

O segundo motivo para esta eleição, tão importante como este, é porque se trata de Mário Centeno: ou seja, o ministro português é um economista qualificado, academicamente credenciado, com uma vida de trabalho no serviço público que fala por si, seja no regulador, seja na universidade, e isso conta mais no contexto europeu do que se julga. Bruxelas é o local onde as conversas de corredor e ao jantar, as piadas inspiradas (e as burras) e as percepções, mesmo quando epidérmicas, sobre as qualidades de uns sobre os outros são decisivas para se obter entendimentos e preferências e para desenhar e validar o percurso possível de cada um. Mário Centeno foi credível e soube mostrar os seus trunfos. As respostas simples por vezes são verdadeiras, imagine-se.

As coisas estão assim e, entretanto, agendam-se buscas para o Terreiro do Paço e noticia-se em Lisboa que o Ministério Público parece entender que duas entradas para um jogo de futebol no estádio do Benfica são mais do que suficientes para “comprar” um ministro, nem sequer se sabe ao certo para quê...

A bem da verdade, muitos têm procurado demonstrar o ridículo que isto representa. Não deixa de ser uma história fantástica, no verdadeiro sentido da palavra. E tristemente irónica, olhando o nosso passado. Provavelmente já terá havido entre nós ministros e autarcas nas mãos de clubes de futebol, cheios de vontade de lhes despejar dinheiro em cima e perdoar tudo. E seguramente nenhum deles se chamaria Mário Centeno.

2. Várias pessoas me assinalaram a estranha coincidência de este tipo de intervenção junto do Ministério das Finanças, com tal bojo público e por tal “crime”, ser demasiado próxima no tempo de conversas sobre a continuidade no cargo da Procuradora-Geral da República ou de notícias sobre a sua intervenção pessoal em processos de adopção que alegadamente correram muito mal ou mesmo até de uma revelada letargia cúmplice do Ministério Público num homicídio recente num contexto de violência doméstica. Não acredito que possa haver qualquer ligação. É mesmo e só coincidência. Afinal o Ministério Público promove e defende, como é seu dever, a legalidade, contra tudo e contra todos, se preciso for. Qualquer leitura que configure como politizada ou tendenciosa a actividade das cúpulas do Ministério Público é obviamente uma leitura insidiosa e ilegítima, como qualquer estudioso do período de ditadura no pré-25 de Abril ou do cavaquismo sabe.

3. A coisa de resto foi mais ou menos assim: após 2011 gritou-se pelo “fim da impunidade”, que agora é que seria, doa a quem doer, etc. e tal. Em Janeiro de 2018, sete anos depois, num dos nossos jornais online lê-se literalmente isto que se segue. Título da “notícia”: “As fotos das buscas a (…). Corpo do texto: “Desde o mobiliário da varanda, até aos computadores do escritório de (…), e o seu carro tudo foi passado a pente fino pelos inspectores da Polícia Judiciária. Veja as imagens.” Não, o que escandaliza não são (apenas) os problemas de virgulação. O que tem de escandalizar é o facto de, mais do que nunca e de forma opressiva para para o estado de Direito, haver uma promiscuidade muito visível entre os responsáveis pela investigação dos crimes, que são necessariamente e de acordo com a lei, os magistrados do Ministério Público, e alguns jornalistas, e que resulta na compressão dos direitos das vítimas e dos suspeitos, de todas as regras, de todas as presunções, de tudo aquilo que se ensina nas faculdades de Direito. Se é isto “o fim da impunidade”, quero já meter uma cunha e receber um envelope e dar outro por baixo da mesa a alguém, para ver se a tal da impunidade volta.

É culpado? É inocente? Para quê um julgamento? Para quê uma condenação? Veja já as fotos das buscas por ordem judicial e a seguir pode ver as fotos das mamas da senhora x e a seguir as fotos dos implantes capilares do senhor y. Assim, rapidinho, no seu telefone. Tudo é igual a tudo e todos são iguais a todos, todos são corruptos, todos são corrompidos, todos são maus, todos são comprados, todos são lúdicos e fungíveis. Até que venha outra vez um que nos salvará a todos de nós próprios, à força e a bem da nação.

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