E quando não houver Autoeuropa?

Portugal deve lutar por estar nos pontos da escala de produção que trazem mais valor acrescentado. E isso significa começar já a pensar o pós-Autoeuropa na Península de Setúbal.

Lembro-me bem da Opel da Azambuja porque a aldeia de onde vem a minha família, e onde eu vivi uns anos, é no concelho da Azambuja. Quando lá íamos, ainda no tempo da Estrada Nacional, a entrada no Ribatejo era marcada por parques de estacionamento que me pareciam intermináveis e onde talvez milhares de carros acabados de montar esperavam, lado a lado, todos iguais, arrumados num esquema de cores.

Quando a Opel da Azambuja fechou, o efeito foi devastador para muitas famílias da nossa região. Houve quem levasse anos para voltar a encaminhar a vida. E muitos dos que conseguiram finalmente arranjar novo emprego - por exemplo no parque de combustíveis que saiu de Lisboa para Aveiras de Cima no tempo da Expo ’98 - não foram fazer nada de mais especializado do que faziam antes. Ou seja, a presença da fábrica na região não deixou como legado a incorporação de conhecimento, de tecnologia e de formação que deveríamos ter lutado para que deixasse.

Porquê? Talvez porque nunca ninguém se perguntou o que aconteceria quando já não houvesse Opel da Azambuja. E essa atitude foi transversal, da região ao governo central. Naquele tempo, era como se a Opel fosse ali ficar eternamente, ou fosse só abrir logo outra Opel ali ao lado.

Chegado a este ponto, já não estou a falar da Opel. Estou a fazer uma pergunta que não tenho ouvido ser feita: e quando não houver Autoeuropa? Certo, a Autoeuropa é uma fábrica muito diferente do que era a Opel. Os carros de hoje são feitos de uma maneira muito diferente dos de há trinta anos. Mas imaginar que daqui a trinta anos, ou até dez anos, não haverá razões para que a Autoeuropa saia é cair no mesmo vício de pensamento de antes. E é arriscarmo-nos a que um dia a Autoeuropa saia sem que tenha havido uma passagem do país e da sua força de trabalho para um ponto mais elevado na escala de valor global. Como o mundo não pára, até ficar na mesma é andar para trás. E o que nós deveremos querer é que Portugal resolva o problema económico estrutural que está por detrás dos seus problemas conjunturais: isso significa mais especialização, mais incorporação de conhecimento e tecnologia, um investimento em setores mais sofisticados da economia.

A Autoeuropa é importante para o país, e não é por acaso que ela tem justificado toda a atenção que mereceu de governos muito diferentes (comparativamente, diga-se que o apoio da Segurança Social a que os trabalhadores da fábrica possam encontrar lugar para os filhos durante os dias de trabalho extraordinário é até dos apoios mais limitados e justificados que o Estado português já deu à AutoEuropa). Mas é possível que a Autoeuropa seja até demasiado importante. Uma fábrica que com um carro novo ou uma diminuição no horário de trabalho vale umas décimas de PIB para cima ou para baixo é, por si só, sinal de duas coisas: de que o PIB é pequeno e a dependência é grande.

Portugal deve lutar por estar nos pontos da escala de produção que trazem mais valor acrescentado: concepção, por exemplo, mais do que montagem. E isso significa começar já a pensar o pós-Autoeuropa na Península de Setúbal. Eu proporia que a escolha política fosse encarar de frente aquilo que nos mete mais medo: a automação. Setúbal tem as universidades, os centros fabris, a rede de transportes e a proximidade aos grandes centros (incluindo um presente e um futuro aeroporto internacional) para poder apostar em ser um pólo de excelência na robótica, na automação e na inteligência artificial. Essa poderia ser uma aposta que partisse do conhecimento e da tecnologia que a Autoeuropa cá deixa para um tempo em que ela já cá não esteja. E não pensemos que, se não fizermos essa escolha, outros não a farão por nós. O grande líder socialista Clement Attlee ganhou uma vez uma eleição com um cartaz que dizia simplesmente. “Encarar o Futuro”. É disso que precisamos hoje.

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