Por favor, não mandes o teu filho para um centro de explicações

Queria dar aulas, era professor sem ser professor, por estar desempregado, porque não havia colocações, e sonhava exercer a profissão estudada durante cinco anos, ingenuamente, pois claro, longe de imaginar tudo o que me esperava num centro de explicações

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Celia Ortega/Unsplash

Trabalhei num centro de explicações na Bobadela. Pondo as coisas desta maneira, está tudo dito, sem querer maldizer a Bobadela e quem lá vive, eu incluído em dada altura da minha vida.

Queria dar aulas, era professor sem ser professor, por estar desempregado, porque não havia colocações, e sonhava exercer a profissão estudada durante cinco anos, ingenuamente, pois claro, longe de imaginar tudo o que me esperava. Desde logo pelo primeiro centro de explicações, uma garagem num prédio de habitação onde morava uma família inteira, a dona do centro, a professora Paula, mas também Dra. Paula ou "Sra. Directora", conforme os dias da semana e a disposição matinal, engenheira química de formação, mas nem por isso professora, ou não tivesse as pedagógicas por fazer, passando pela filha de oito meses, cujos berros paravam tudo e todos a cada 20 minutos, até à avó, a verdadeira directora do centro, a matriarca da família que de ensino pouco percebia, mas sendo mãe, e duas vezes mãe, achava por bem dizer a tudo e todos como é que se ensina. E eu, não sendo mãe e trabalhando a recibos verdes, calava e comia.

Como professor, recebia três euros à hora. Perguntei se os três euros à hora eram por aluno. Claro que não, cada aluno do 7.º ao 9.º ano paga 15 euros, do 10.º ao 12.º cerca de 25 euros, três vão para o professor, o resto para a Dra. Paula. 

Mas continuemos, porque como professor de Inglês cedo me vi a dar aulas de Física, Química e Matemática a alunos do 12.º ano, sob pena de não ter trabalho dependendo das notas dos miúdos, miúdos esses que nem sequer queriam estar ali, depois das aulas, a gramar um caixa de óculos que não sabe a diferença entre uma equação e um hidrocarboneto.

E se até ao 9.º ano uma pessoa ainda se safa entre explicações de Português e Matemática, o problema mantém-se: os pirralhos não queriam estar ali, de castigo, como se ter más notas fosse o pecado original e os pais os condenassem ao sofrimento eterno fora do Jardim do Paraíso. Assim sendo, bastava a Dra. Paula e respectiva mãe saírem para ir às compras, ou à praia na Linha, para que os putos se revoltassem todos e em uníssono, literalmente trepando paredes, correndo para dentro e para fora da garagem, arrancando as roupas dos estendais em redor e correndo com as ditas na cabeça até encontrarem uma parede, ou vice-versa, e este que vos escreve de cabeça perdida atrás deles, não fossem os pais apresentar queixa por negligência e maus tratos. E sim, cuspiram-me, e sim, insultaram-me, dia após dia, mês após mês.

O centro de explicações não era senão um espaço de ocupação de tempos livres pago a peso de ouro por pais iludidos com o seu futuro e o futuro dos seus filhos. Mas como fica sempre bem dizer quanto se paga por hora de explicação lá no emprego ou no cabeleireiro, toca de manter os miúdos nas explicações.

Já não trabalho no centro de explicações, umas alunas recusaram-se a pagar, acusando-me de lhes ter dado um preço inferior. E como quem manda são as crianças, e como quem manda nos pais são as crianças, entretanto emigrei, ainda tendo de agradecer a carta de recomendação, escrita por mim em inglês mas assinada por uma Dra. Paula extremamente desapontada com a minha partida, ou não fossem precisos muitos pontapés para encontrar debaixo de uma pedra mais um professor disposto a trabalhar por três euros à hora e a recibos verdes.

Ah, e os alunos do 12.º? Chumbaram.

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