Académico Tariq Ramadan, acusado de violação, foi detido em Paris

Especialista em Estudos Islâmicos está a ser ouvido no âmbito de uma das acusações de crime de violação. Futuro de um dos rostos do cruzamento entre Ocidente e islão está já em debate.

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Ramadan, em entrevista ao PÚBLICO, em 2012 NUNO FERREIRA SANTOS

O académico suíço Tariq Ramadan, especialista em Estudos Islâmicos, foi esta quarta-feira detido para interrogatório em França. A notícia foi avançada pela rádio francesa RTL e confirmada pelo diário Le Figaro e pela agência AFP. Ramadan foi acusado de violação por duas mulheres em Outubro, em plena fase inicial de denúncias de assédio e violência sexual entre os EUA e a Europa, e está a ser ouvido no âmbito de um dos casos, adianta a RTL. Ramadan nega as acusações, que integra numa “campanha de calúnias”.

Ramadan, de 55 anos, foi detido por investigadores da Polícia Judiciária de Paris, refere a AFP, “no âmbito de um inquérito preliminar aberto em Paris pelos responsáveis [do departamento de crimes] de violação e violência”, disse fonte judicial à agência.  

Soube-se em Outubro de 2017 que duas mulheres acusam de violação o intelectual muçulmano suíço de origem egípcia, crimes alegadamente cometidos em 2009 e em 2012. A notícia surgiu três semanas depois da eclosão do caso Harvey Weinstein e no contexto de denúncias públicas por ele incentivado que se resumiria depois no hashtag #MeToo, mas também no seu congénere francês #BalanceTonPorc

Trata-se, segundo as alegadas vítimas de Ramadan, de casos que têm em comum um convite para se dirigirem a um hotel para conversar e também de perseguição e ameaças posteriores para manterem o silêncio. Mas passaram-se com mulheres diferentes e em dois anos distintos. 

Henda Ayari, autora, activista e presidente da Libératrices, uma associação de apoio a mulheres, diz ter conhecido Ramadan via Facebook (a rede social na qual a própria publicou a sua história a 20 de Outubro de 2017) e sido atacada em 2012 depois de ter querido pedir conselhos religiosos ao intelectual; uma outra mulher que não se identificou publicamente, mas cujo caso foi noticiado pelos diários franceses Le Monde e Le Parisien, acusa-o de violação e de agressões violentas em 2009 num hotel de luxo em Lyon. Apresentou queixa formalmente a 27 de Outubro de 2017. 

A jornalista francesa Caroline Fourest, autora do livro Frère Tariq (“Irmão Tariq”) e conhecida crítica de Ramadan, disse à RTL que em 2009 tomou conhecimento directo das alegações de Ayari, que a contactou e lhe mostrou mensagens e outros elementos que indicariam a ligação entre os dois, mas também ter tido contacto com outras alegadas vítimas de relações violentas com o académico. Henda Ayari contou o caso, sem nomear o seu agressor, no seu livro J’ai choisi d’être libre em 2016. Ramadan apresentou uma queixa por difamação relacionada com as acusações de violação num tribunal de Paris e de acordo com o Le Parisien deu entrada com outra queixa, por suborno de testemunha, contra Fourest. 

Segundo o Le Parisien e o Le Monde, as duas mulheres autoras das acusações, bem como Caroline Fourest (que terá enviado documentação sobre o tema à polícia), foram também ouvidas pelas autoridades em Rouen e Paris.

Ramadan manteve o silêncio, salvo a publicação de um comunicado dos seus advogados, partilhado no Twitter a 1 de Novembro, e referiu-se a outras acusações subsequentes numa mensagem na mesma rede social a 7 de Novembro de 2017: “Foram feitas alegações anónimas contra mim em Genebra, acusando-me de abuso de alunas que eram menores há quase 25 anos. Nego categoricamente todas estas alegações.” Referia-se às acusações de assédio e má conduta de quatro mulheres suíças, que à altura dos alegados casos eram adolescentes. No dia 11 do mesmo mês, publicou um comunicado seu mais extenso, em que afirmou que, apesar de ter sido aconselhado pelos advogados a manter-se longe da “temporalidade e dos excessos mediáticos”, quis dizer publicamente como deplorava “o actual clima deletério”, que confiava na Justiça e como era necessário manter-se “sábio e digno”.

Agora, diz a RTL, Ramadan está a ser ouvido pelos investigadores e pode ficar sob sua custódia até 48 horas, após as quais poderá sair em liberdade, ficar sob investigação ou ser considerado testemunha (“témoin assisté”) – uma figura específica do direito francês e que é um estatuto intermédio entre o de simples testemunha e o de arguido. 

Neto do fundador da Irmandade Muçulmana, professor de Estudos Islâmicos em Oxford e presidente do think tank European Muslim Network, as críticas de Ramadan aos regimes árabes fazem com que esteja proibido de entrar na Arábia Saudita, Egipto, Síria e Argélia. No Ocidente, a Casa Branca tem-lhe recusado visto, dizendo que fez contribuições para a Associação de Socorro Palestiniano, banida nos EUA. Orador brilhante, este caso “abalou os círculos muçulmanos”, como escreve esta quarta-feira o diário francês Libération.  

As acusações de violação estiveram na base da suspensão de Tariq Ramadan da Universidade de Oxford. No início de Novembro, pouco mais de uma semana após as duas acusações noticiadas primeiro em França e depois no resto do mundo, a prestigiada universidade informou em comunicado que a decisão foi fruto de “mútuo acordo” e que Ramadan, um académico habituado à dissensão em torno da sua figura e normalmente identificado com o epíteto “polémico” quando sobre ele se escreve, entraria “de licença”. A instituição dizia na altura ter “reconhecido de forma consistente a gravidade das alegações”, mas também “enfatizado a importância da justeza, dos princípios de justiça e do devido processo legal”. A nota referia que esta licença “não implica qualquer presunção ou aceitação de culpa”.

“Seja o que for que aconteça nos tribunais, Ramadan já perdeu a sua aura”, considerava o Libération horas depois da notícia da inquirição do teórico. “O seu futuro como líder comunitário está muito comprometido”, disse ao mesmo diário o sociólogo Omero Marongiu-Perria, especialista em etnicidade e religião. “Não vejo qualquer líder muçulmano que possa hoje convidá-lo para a sua mesquita”, postulou mesmo o responsável do site cultural dedicado à comunidade muçulmana Oumma, Saïd Branine. “Internacionalmente,Tariq Ramadan encarnou o islão europeu”, disse ao “Libé” Bernard Godard, perito francês na religião. 

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