Rumo a uma quarta revolução industrial sustentável: resolver o dilema da energia e crescimento económico

O desafio é imenso, e obriga-nos a utilizar uma segunda abordagem, o aumento da eficiência, que nos deveria permitir reduzir a quantidade de energia de que necessitamos.

Foi agora lançado em Portugal o livro “A Quarta Revolução Industrial”, escrito pelo influente Klaus Schwab, fundador do World Economic Forum e criador da famosa cimeira de Davos, cuja mais recente edição ocorreu a semana passada.

No século XVIII, em Inglaterra, tivemos a Primeira Revolução Industrial, a revolução da máquina a vapor e do carvão. Na viragem do século XIX para o século XX, nos Estados Unidos, na Alemanha e em Inglaterra, tivemos a Segunda Revolução Industrial, do petróleo, do motor de combustão interna, do motor elétrico e da produção em massa. Na segunda metade do século XX, tivemos a Terceira Revolução Industrial, da computação e da Internet.

A Quarta Revolução Industrial é agora, de acordo com Schwab, e outros, a revolução da digitalização massiva, da Internet of Things, da aprendizagem automática (machine learning) e da robotização, mas também da nanotecnologia e dos novos materiais, e da biotecnologia. Por outras palavras, tecnologias que fundem os mundos físico, digital e biológico.

As sucessivas revoluções industriais tiveram como consequência um aumento enorme no nível de prosperidade da humanidade, em conjunto com alterações sociais profundas, como o reconhecimento de direitos humanos universais, a alteração nos padrões de fertilidade e o aumento da esperança média de vida. Elas estiveram também intrinsecamente associadas ao uso massivo de energia, só possível através do recurso a combustíveis fósseis como fontes de energia primária (carvão, petróleo e gás natural), com os consequentes impactes ambientais.

Foi a preocupação com estes mesmos impactes ambientais que deu origem ao conceito de desenvolvimento sustentável que se traduz, entre outros aspectos, no actual esforço de transição para energias renováveis. Esta transição coloca-nos agudamente a questão: seremos capazes de manter os actuais níveis de prosperidade da Humanidade, voltando a usar essencialmente as fontes de energia primária (o sol, a água, o vento) que usávamos antes das revoluções industriais?

Em primeiro lugar, enfrentamos o desafio da densidade das fontes de energia: os combustíveis fósseis são fontes de energia abundantes e concentradas no espaço (correspondem à concentração por processos geológicos de muitos milhões de anos de fotossíntese), isto é, a densidade de energia que encontramos numa mina de carvão ou num poço de petróleo é da ordem de mil vezes superior à que encontramos numa floresta ou numa central solar. Dito por outras palavras, para obter a mesma energia que hoje obtemos de minas de carvão e poços de petróleo, precisamos de áreas de centrais solares ou floresta da ordem de mil vezes superiores.

Adicionalmente, as energias renováveis são menos controláveis (veja-se, por exemplo, o caso do vento), tornando mais difícil a gestão de, por exemplo, redes eléctricas onde a electricidade é oriunda de aerogeradores em vez de centrais térmicas.

A Quarta Revolução Industrial traz-nos ferramentas que permitem conceber este processo como possível: os novos materiais, a optimização e controlo de redes eléctricas com inteligência artificial, o uso de detecção remota e sensores para optimizar a produção agrícola e florestal.

No entanto, o desafio é imenso, e obriga-nos a utilizar uma segunda abordagem, o aumento da eficiência, que nos deveria permitir reduzir a quantidade de energia de que necessitamos.

Esta segunda abordagem tem sido o tópico de investigação realizada no IST, em colaboração com investigadores nacionais, do ISEG, e estrangeiros, de instituições como o INSEAD, a Universidade de Leeds, a Universidade de Cambridge ou o Banco de Inglaterra, com um especial foco no caso português.

Descobrimos que ao longo dos últimos 150 anos de história económica de Portugal foi sempre necessária a mesma quantidade de “energia útil” (isto é, movimento, calor e luz) por unidade de PIB. Este resultado é forte e muito surpreendente, se pensarmos que estes 150 anos abrangem a evolução de uma economia predominantemente agrícola, para uma com alguma industrialização e finalmente para uma com predominância de serviços.

Olhámos também para a eficiência energética da economia portuguesa, a sua capacidade de transformar energia final (carvão, gasolina, gasóleo ou electricidade) em energia útil. Esta eficiência esteve estagnada até meados do século XIX em 7%. No período de 1950 a 1980, salta para próximo de 20%, devido principalmente ao uso de motores eléctricos na indústria, que proporcionaram a produção em massa característica da 2ª Revolução Industrial. De 1980 até ao presente, e principalmente já no século XXI, a eficiência estagna outra vez. Esta evolução da eficiência energética corresponde de perto aos períodos de maior crescimento económico em Portugal: reduzido até 1950, pujante nas décadas subsequentes, e estagnado no século XXI.

Concluímos assim que há uma necessidade fixa de energia útil por unidade de PIB, e que o crescimento do PIB requer o crescimento da eficiência energética.

Qual a razão deste fenómeno? Consideremos um agricultor há vários séculos em Inglaterra, antes da primeira revolução industrial. Esse agricultor trabalha a terra com um cavalo, e produz alimento só para a sua família.  Hoje, um agricultor trabalha a terra com uma máquina mais eficiente, um tractor de 100 cavalos (isto é, com uma potência igual à de 100 cavalos), utiliza 100 vezes mais energia útil e produz alimento suficiente para 100 pessoas (isto é, o seu valor económico é 100 vezes maior) … e, por essa razão, só 1% dos ingleses são agricultores.

Assim, a eficiência energética surge-nos como uma chave para reconciliar crescimento económico e redução de consumo energético.  Também neste aspecto, a quarta revolução industrial traz enormes promessas. Por exemplo, com a massificação do carro elétrico, muito mais eficiente que o carro a gasolina ou gasóleo, ou a optimização dos sistemas energéticos através do uso de machine learning (como fez a Google nas suas server farms). Adicionalmente, actividades da chamada economia de partilha (the sharing economy), permitem rentabilizar recursos como automóveis ou edifícios, permitindo também viabilizar maior eficiência nestes equipamentos.

No entanto, a eficiência coloca-nos um problema fundamental: ao promovê-la, estamos também a promover o crescimento económico, o que coloca uma pressão adicional de aumento de uso de energia. Os nossos cálculos para Portugal indicam que, na ausência de mecanismos adicionais, esse aumento mais que contrabalança o efeito da eficiência energética, isto é, coloca-nos perante um paradoxo fundamental: mais eficiência energética leva a mais consumo de energia (que, no entanto, não é uma surpresa – historicamente, os aumentos de eficiência energética levaram sempre a aumentos de consumo de energia e não a reduções, um fenómeno  designado como rebound effect ou paradoxo de Jevons).

É-nos assim exigido todo um programa de investigação, acção e políticas, pois, como não sabemos verdadeiramente porque é que esta relação se tem mantido tão estreita ao longo dos últimos 150 anos, não sabemos quais são as ferramentas que são necessárias para a quebrar. Resolver esta contradição é fundamental, se quisermos que a quarta revolução industrial seja a primeira revolução industrial sustentável da história da Humanidade.

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