Este desporto não é para gente séria

Em Portugal o futebol já não se joga nas quatro linhas. Joga-se nas catacumbas dos estádios, nos escritórios de advogados, em sucursais de offshores, nos bastidores de restaurantes e na barra dos tribunais.

O clima de suspeição e javardice que está montado na pirâmide do futebol português é insuportável para quem queira apenas fruir um jogo extraordinário, que se vive em períodos de 90 minutos e que se joga uma ou duas vezes por semana.

O que têm em comum os líderes dos três maiores clubes de futebol? Muita coisa. Todos são, ou já foram, acusados de alguma forma de corrupção, associação criminosa ou fuga ao fisco. Todos têm acólitos que espalham pelos canais de televisão o discurso de ódio e a figura triste que os próprios não sabem ou não conseguem fazer. Todos têm um jornal de preferência à conta de quem vinculam fake news de maior ou menor dimensão. Todos tomaram várias decisões altamente questionáveis que delapidaram o património do seu clube, tendo todos sido acusados de se aproveitarem dele de uma forma ou de outra. Todos têm relações especiais com um par de empresários, com quem fazem negócios mirabolantes que espantam o mundo civilizado. Todos são assistidos ou acompanhados por capangas, normalmente associados às claques, que actuam sempre que necessário. Todos praticam um discurso em que reclamam ser impolutos enquanto acusam o vizinho de corrupção – e isto é como nas religiões monoteístas, se há cinco correntes espirituais que acreditam num só deus, e se ele é diferente do deus proposto pelas restantes, pelo menos quatro delas estarão erradas (e o mais provável é que estejam as cinco).

E não, este artigo não se dirige a nenhum clube em especial – aplica-se rigorosamente por igual aos três grandes. E infelizmente é bem possível que se aplique também aos quatro médios e aos 20 ou 30 pequeninos. Aparentemente, quem não joga este jogo sujo ao alto nível está ansioso para lá chegar de forma a poder fazê-lo também.

Quem queira apenas sentar-se em frente à TV ou num estádio e desfrutar de um espectáculo extraordinário tem cada vez menos formas de o fazer sem ser contaminado com a porcaria que envolve esta actividade. Pior: as crianças que praticam este desporto e têm a esperança de nele evoluir – e que são centenas de milhares – não têm noção que funcionam como mero alimento para uma máquina trituradora que serve para engordar alguns corruptos e explorar muitos mais. É uma pena.

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